Page 90 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Acerquei-me de um rapaz.


               – O teu nome?


               – O meu nome para quê? Não digo a ninguém.


               Era a desconfiança incutida pelo gerente, que passeava ao lado, abrindo a chaga do lábio num
               sorriso sórdido.


               – Que tal achas a sopa?


               – Bem boa. Cá uma pessoa come. O corpo está acostumado, tem três pães por dia e três vezes
               por semana bacalhau.


               Engasgou-se com um osso. Meteu a mão na goela e eu vi que essa negra mão rebentava em
               sangue, rachava, porejando um líquido amarelado.


               – Estás ferido?


               – É do trabalho. As mãos racham. Eu estou só há três meses. Ainda não acostumei.


               – Vais ficar rico?


               Os seus olhos brilhavam de ódio, um ódio de escravo e de animal sovado.


               – Até  já  nem  chegam  os  baús  para  guardar  o  ouro.  Depois,  numa  franqueza:  ganha-se  uma
               miséria. O trabalho faz-se, o mestre diz que não há...Mas, o dinheiro mal chega, homem, vai-se
               todo no vinho que se manda buscar.


               Era horrendo. Fui para outro e ofereci-lhe uma moeda de prata.


               – Isso é para mim?


               – E, mas se falares a verdade.


               – Ai! que falo, meu senhor...


               Tinha um olhar verde, perturbado, um olhar de vício secreto.
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