Page 87 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Machado,  Antônio  da  Cruz,  Santos  Valença,  Mateus  do  Nascimento, Jerônimo Duval,  Miguel
               Rosso e Ricardo Silva, esforçam-se, estudam, sacrificam-se pelo bem geral.


               Que querem eles? Apenas ser considerados homens dignificados pelo esforço e a diminuição das
               horas de trabalho, para descansar e para viver. Um deles, magro, de barba inculta, partindo um
               pão empapado de suor que lhe gotejava da fronte, falou-me, num grito de franqueza:


               – O problema social não tem razão de ser aqui? Os senhores não sabem que este país é rico,
               mas que se morre de fome? É mais fácil estourar um trabalhador que um larápio? O capital está
               nas mãos de grupo restrito e há gente demais  absolutamente sem trabalho. Não acredite que nos
               baste o discurso de alguns senhores que querem ser deputados Vemos claro e, desde que se
               começa a ver claro, o problema surge complexo e terrível. A greve, o senhor acha que não fizemos
               bem na greve? Eram nove horas de trabalho. De toda a parte do mundo os embarcadiços diziam
               que trabalho da estiva era só de sete!


               Fizemos mal? Pois ainda não temos o que desejamos.


               A máquina, no convés, recomeçara a trabalhar.


               – Os patrões não querem saber se ficamos inúteis pelo excesso de serviço. Olhe, vá à Marítima,
               ao Mercado. Encontrará muitos dos nossos arrebentados, esmolando, apanhando os restos de
               comida. Quando se aproximam das casas às quais deram toda a vida correm-nos!


               Que foi fazer lá? Trabalhou? Pagaram-no; rua! Toda a fraternidade universal se cifra neste horror!


               Do alto caíram cinco sacas de café mal presas à corrente. Ele sorriu, amargurado, precipitou-se,
               e, de novo, ouviu-se o pavor do guincho sacudindo as correntes donde pendiam dezoito homens
               estrompados. Até à tarde, encostado aos sacos, eu vi encher a vastidão do porão bafioso e escuro.
               Eles não pararam. Quando deu cinco horas um de barba negra tocou-me no braço:


               – Por que não se vai? Estão tocando a sineta. Nós ficamos para o serão à noite... Trabalhar até
               à meia-noite.


               Subi.  Os  ferros  retiniam sempre  a música  sinistra.  Encostados  à  amurada,  damas  roçagando
               sedas e cavalheiros estrangeiros de smoking, debochavam,  em inglês, as belezas da nossa baía;
               no bar, literalmente cheio, ao estourar do champagne, um moço vermelho de álcool e de calor
               levantava um copo dizendo:


               – Saudemos o nosso caro amigo que Paris receberá...


               Em  derredor  do  paquete,  lanchas,  malas,  cargas,  imprecações,  gente  querendo  empurrar  as
               bagagens, carregadores, assobios, um brouhaha formidável.
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