Page 82 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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O caixeiro ergue os olhos irônicos.


               – Bonitos, não é? São de cauda de avestruz. Foram precisos quarenta avestruzes para fazer o
               menor. A senhora deseja comprar?


               Ela fica envergonhadíssima; as outras também. Todas riem  tapando os lábios com o lenço, muito
               coradas e muito nervosas.


               Comprar!  Não  ter  dinheiro  para  aquele  tapete  extravagante  parece-lhes  ao  mesmo  tempo
               humilhante e engraçado.


               – Não, senhor, foi só para saber. Desculpe...


               E partem. Seguem como que enleadas naquele enovelamento de coisas capitosas – montras de
               rendas, montras de perfumes, montras toilettes, montras de flores – a chamá-las, a tentá-las, a
               entontecê-las com corrosivo desejo de gozar. Afinal, param nas montras dos ourives.


               Toda a atmosfera já tomou um tom de cinza escuro. Só o céu de verão, no alto, parece um dossel
               de paraíso, com o azul translúcido a palpitar uma luz misteriosa. Já começaram  a acender os
               combustores na rua, já as estrelas de ouro ardem no alto. A rua vai de novo precipitar-se no delírio.


               Elas fixam a atenção. Nenhuma  das quatro pensa em sorrir. A jóia  é a suprema tentação. A alma
               da  mulher  exterioriza-se  irresistivelmente  diante  dos  adereços.  Os  olhos  cravam-se  ansiosos,
               numa  atenção  comovida  que  guarda  e  quer  conservar  as  minúcias  mais  insignificantes.  A
               prudência das crianças pobres fá-las reservadas.


               – Oh! aquelas pedras negras!


               – Três contos!


               Depois, como se ao lado um príncipe invisível estivesse a querer recompensar a mais modesta,
               comentam  as  jóias  baratas,  os  objetos  de  prata,  as  bolsinhas,  os  broches  com  corações,  os
               anéis insignificantes.


               – Ah! se eu pudesse comprar aquele!


               – É só quarenta e cinco! E aquele reloginho, vês? de ouro...


               Mas,  lá  dentro,  o  joalheiro  abre  a  comunicação  elétrica,  e  de  súbito,  a  vitrina,  que  morria  na
               penumbra, acende violenta, crua, brutalmente, fazendo faiscar os ouros, cintilar os brilhantes,
               coriscar os rubis, explodir a luz veludosa das safiras, o verde das esmeraldas, as opalas,  os
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