Page 81 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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frivolidade – vestem com uma elegância sem par; uma de branco, robe Empire; outra de rosa, com
um chapéu cuja pluma negra deve custar talvez duzentos mil réis.
Quanta coisa! quanta coisa rica! Elas vão para a casa acanhada jantar, aturar as rabugices dos
velhos, despir a blusa de chita – a mesma que hão de vestir amanhã...E estão tristes. São os
pássaros sombrios no caminho das tentações. Morde-lhes a alma a grande vontade de possuir,
de ter o esplendor que se lhes nega na polidez espelhante dos vidros.
Por que pobres, se são bonitas, se nasceram também para gozar, para viver?
Há outros pares gárrulos, alegres, doidivanas, que riem, apontam, esticam o dedo, comentam alto,
divertem-se, talvez mais felizes e sempre mais acompanhadas. O par alegre entontece diante de
uma casa de flores, vendo as grandes corbeilles, o arranjo sutil das avencas, dos cravos, das
angélicas, a graça ornamental dos copos de leite, o horror atraente das parasitas raras.
– Sessenta mil réis aquela cesta! Que caro! Não é para enterro, pois não?
– Aquilo é para as mesas. Olhe aquela florzinha. Só uma, por vinte mil réis.
– Você acha que comprem?
– Ora, para essa moças...os homens são malucos.
As duas raparigas alegres encontram-se com as duas tristes defronte de uma casa de objetos
de luxo, porcelanas, tapeçarias. Nas montras, com as mesmas atitudes, as estátuas de bronze,
de prata, de terracota, as cerâmicas de cores mais variadas repousam entre tapetes estranhos,
tapetes nunca vistos, que parecem feitos de plumas de chapéu. Que engraçado! Como deve ser
bom pôr os pés na maciez daquela plumagem! As quatro trocam idéias.
– De que será?
A mais pequena lembra perguntar ao caixeiro, muito importante, à porta. As outras tremem.
– Não vá dar uma resposta má...
– Que tem?
Hesita, sorri, indaga:
– O senhor faz favor de dizer... Aqueles tapetes?...