Page 78 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Os filhinhos choram
               Pelos pais queridos.
               As viúvas soluçam
               Pelos seus maridos.


               Era  horrível.  Fixei  bem  a  face  intumescida  dos  cantores.  Nem  um  deles  sentia  ou  sequer
               compreendia  a  sacrílega  menipéia  desvairada  do  ambiente,  Só  a  alma  da  turba  consegue  o
               prodígio de ligar o sofrimento e o gozo na mesma lei de fatalidade, só o povo diverte-se não
               esquecendo as suas chagas, só a populaça desta terra de sol encara sem pavor a morte nos
               sambas macabros do Carnaval.


               –  Estás  atristado  pelos  versos  do  "Beija-Flor"?  Há  uma  porção  de  grupos  que  comentam  a
               catástofre. Ainda há instantes passou a "Mina de Ouro". Sabes qual é a marcha dessa sociedade?
               Esta sandice tétrica:


               Corremos, corremos
               Povo brasileiro
               Para salvar do "Aquidabâ"
               Os patriotas marinheiros.


               Isto no carnaval quando todos nós sentimos irreparável a desgraça. Mas o cordão perderia a
               sua superioridade de vivo reflexo da turba se não fosse esse misto indecifrável de dor e pesar.
               Todos os anos as suas cantigas comemoram as fatalidades culminantes.


               Neste momento, porém, os "Amantes de Sereno" resolveram voltar. Houve um trilo de apito, a
               turba fendeu-se. Dois rapazinhos vestidos de belbutina começaram a fazer "letra" com grandes
               espadas de pau prateado, dando pulos quebrando o corpo. Depois, o achinagú ou homem da
               frente, todo coberto de lantejoulas, deu uma volta sob a luz clara da luz elétrica e o bolo todo golfou
               – diabos, palhaços, mulheres, os pobres que não tinham conseguido fantasias e carregavam os
               archotes, os fogos de bengala, as lâmpadas de querosene.  A  multidão aproveitou o vazio e
               precipitou-se. Eu e meu amigo caímos na corrente impetuosa.


               Oh! sim! ele tinha razão! O cordão é o carnaval, é o último elo das religiões pagãs, é bem o
               conservador  do  sagrado  dia  do  deboche  ritual;  o  cordão  é  a  nossa  alma  ardente,  luxuriosa,
               triste,  meio  escrava  e  revoltosa,  babando  lascívia  pelas  mulheres  e  querendo  maravilhar,
               fanfarrona, meiga, bárbara, lamentável. .


               Toda a rua rebentava no estridor dos bombos. Outras canções se ouviam. E, agarrado ao braço
               do  meu  amigo,  arrastado  pela  impetuosa  corrente  aberta  pela  passagem  dos  "Amantes  do
               Sereno", eu continuei rua abaixo, amarrado ao triunfo e à fúria do cordão!...


               TRÊS ASPECTOS DA MISÉRIA


               As Mariposas do Luxo


               – Olha, Maria...
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