Page 68 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Um sujeito valente pisou três ou quatro pés, barafustou. Acompanhei-o. Era a missa lá dentro
imersa em tristeza infinda. Até os altares pareciam mais agourentos, até as imagens guardavam
na face uma dor mais amarga. E a missa trespassava a alma, porque, enquanto o sacerdote ia e
vinha no altar, por trás, na sombra, perpetuamente na sombra, morta, enterrada, perdida para o
mundo, a voz das monjas varava o ar como o som de um cristal quebrado, retorcia-se no sacrifício
do louvor do deus que nascera de um seio humano, espiralava como uma contorção histérica,
soluçava cantando...
Ia mais adiante, mas na minha frente um latagão bocejou:
– Que cacetada!
– É verdade, vamo-nos, respondeu a companheira.
– Ainda temos tempo de ir a Copacabana.
Consultou o relógio e começou a sair, imprimindo tal movimento à massa de gente, que eu, com
outros mais, de recuar tanto, me achei de novo na porta triste e humilde.
– Ó José, vamos a Copacabana?
– Anda daí.
Copacabana devia ser divertido. Tomei de novo o automóvel e disse ao chauffeur:
– Para Copacabana.
Naquele delicioso percurso da Avenida Beira-Mar, toda ensopada de luz elétrica, outros
automóveis de toldo arriado, outros carros, outras conduções corriam na mesma direção. Homens
espapaçados nas almofadas davam vivas, mulheres de grandes chapéus estralejavam risos, era
uma estrepitosa e inédita corrida para Cítera. Quando, no fim da avenida, os automóveis seguiram
pelas antigas ruas, cada encontro de bonde era uma catástofre. Os tramways, apesar de
comboiarem três carros, iam com gente até aos tejadilhos, e essa gente furiosa, numa fúria que
lembrava bem a vertigem de Dionísios, berrava, apostrofava, atirava bengaladas num despejo de
corpos e de conveniências. Entretanto, pelas mesmas ruas, a corrida aumentava e era uma
disparada louca entre vociferações, sons de corneta, tren-ten-tens de bondes, estalar de chicote.
Quando passamos o túnel num fracasso de metralha e demos nos campos de Copacabana, a
velocidade foi vertiginosa, e era apenas vagamente que se divisavam, fugindo à sanha dos fon-
fons, ao estrépito das rodas, a linha de fiéis da redondeza marginando o capinzal e, à esquerda,
num diadema de estrelas, a iluminação da Igrejinha. Recostei-me. O automóvel saltava como um
orango ébrio, no piso mau. De repente fez uma curva e entrou numa rua cheia de gente, de carros,
de outros automóveis. Estávamos no grande sítio.
– É aqui?