Page 43 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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conhecido de Daniel? Defronte dessa venda há, entretanto, um café que é apenas Café de Ambos
Mundos. E se não vos bastar um café tão completo, aí temos um mais modesto, na Rua da Saúde
o Café B.T.Q. E sabem que vem a ser o B.T.Q., segundo o proprietário? Botequim pelas iniciais!
Essa nevrose das abreviações não atacou felizmente o dono da casa de pasto da Rua de S.
Cristóvão, que encheu a parede com as seguintes palavras: Restaurant dos Dois lrmãos Unidos
Por...
Unidos por... Pelo quê? Pelo amor, pelo ódio, pela vitória? Não! Unidos Portugueses. Apenas
faltou a parede e ficou só o por – para atestar que havia boa vontade. A questão, às vezes, é de
haver muita coisa na parede. Assim é que uma casa da Rua do Senhor dos Passos tem este
anúncio: Depósito de aves de penas. É pouco? Um outro assegura: Depósito de galinhas, ovos
e outras aves de penas – o que é, evidentemente, muito mais. Tal excesso chega a prejudicar, e
andasse a higiene a olhar tabuletas, ofício de vadiagem incorrigível, mandaria fechar uma casa de
frutas da Rua Sete, que pespegou esta inconveniência: Grande sortimento de frutas verdes e
secas.
A origem desses títulos é sempre curiosa. Uma casa chama-se Príncipe da Beira porque o seu
proprietário é da Beira, uma venda de Campo Grande tem o título feroz de Grande Cabaceíro
porque perto há uma plantação de cabaças; há açougue Aliança e Fidelidade porque é um hábito
pôr aliança como título com duas mãos apertadas e fidelidade com um cachorro de língua de fora,
bem no meio da parede. Muitos tomam o título de peças de teatro: Colchoaria Rio Nu, Casa
Guanabarina, venda Cabana do Pai Tomás. A coisa, porém, toma proporções assombrosas
quando o proprietário é pernóstico. Assim, na Rua Visconde do Rio Branco há um armazém
Planeta Provisório, e noutra rua Planeta dos Dois Destinos, um título ocultista sibilino; noCatete,
um Açougue Celestial. Essa dependência do firmamento na terra produz um péssimo efeito e os
anjos têm cada braço de meter medo a uma legião da polícia. Outro, porém, é o Açougue Despique
dos Invejosos, e há na Rua da Constituição uma casa de bilhetes intitulada Casa Idealista,
naturalmente porque quem compra bilhetes vive no mundo da lua, e há uma casa de coroas, o
Lírio Impermeável e uma outra, Ao Vulcão das 49 Flores. Não é só. Uns madeireiros puseram no
seu depósito este letreiro filosófico, que naturalmente incomodará o arcebispado: Madeireiros e
Materialistas; e há uma taberna muito ordinária, centro de malandrões, em Sapopemba, que se
apossou de um título exclusivamente nefelibata: A Tebaida...
E os afrancesados que denominam as casas de Au Bijou de la Mode; Au Dernier Chic, Queima
Chefe, Maison Moderne da Cidade Nova? E os patrióticos que fazem questão da casa de pasto
ser 1 de Dezembro, do açougue ser 1 de Janeiro? do restaurante ser Luís de Camões ou
o
o
Fagundes Varela? E os engrossadores que intitulam as casas de Afonso Pena durante quatro
anos? E os engraçados, os da laracha boa, que fazem as tabuletas propositalmente erradas, como
um negociante da Rua Chile: Colxoaria de primera Colxães contra purgas e precevejos?
Mas as tabuletas têm uma estranha filosofia; as tabuletas fazem pensar. Há, por exemplo, na Rua
Senador Eusébio, perto da ex-ponte dos Marinheiros, uma hospedaria com este título: Hotel Livre
Câmbio. Quanta coisa pensa a gente conhecendo o negócio e olhando a tabuleta!
A série é nesse ramo curiosíssima. Há o Locomotora, que é naturalmente rápido; há Os Dois
Destinos, há a Lua de Prata, há o irônico Fidelidade, tendo pintado uma senhora a pender dos
lábios de um senhor... Quantos!
Na Rua Dr. João Ricardo há um restaurante com este título: Restauração da Vitória.