Page 38 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
P. 38
Há no mundo papagaios
Que falam todos os dias
E nunca sofrem desmaios
Comendo grossas maquias.
Estes são de Pernambuco,
Falam muito, são mitrados;
Eu falei, mas fui maluco,
Logo paguei meus pecados.
E falam do veneno da literatura francesa, que perde o cérebro das meninas nervosas e aumenta
o nosso crescido número de poetas! Que se dirá dessa literatura – pasto mental dos caixeiros
de botequim, dos rapazes do povo, dos vadios, do grosso, enfim, da população? Que se dirá
desses homens que vão inconscientemente ministrando em grandes doses aos cérebros dos
simples a admiração pelo esfaqueamento e o respeito da tolice?
Como eu clamasse contra essa teimosa mania de não mudar as suas predileções, um dos
vendedores ambulantes, o cantante Meu Deus que noite sonorosa, esticou a perna e disse-me:
– Talvez fosse para pior.
Parei convencido, o curso das interrogações. Já outro filósofo seu rival, Montaigne, assegurava
que mudar é quase sempre uma probabilidade para o pior. Os vendedores de testamentos
passaram a vendê-los como palpites do jogo do bicho, transformando a saracura em avestruz e
a mosca em borboleta. Os jogadores não lêem, mas arruínam as algibeiras. E de qualquer forma
o mal continua a florescer neste baixo mundo, na literatura e fora dela, como o mais gostoso dos
bens. Se nas obras populares aparecer alguma coisa de novo, com certeza teremos tolices
maiores que as anteriores ...
A Pintura das Ruas
Há duas coisas no mundo verdadeiramente fatigantes: ouvir um tenor célebre e conversar com
pessoas notáveis. Eu tenho medo de pessoas notáveis. Se a notabilidade reside num cavalheiro
dado à poesia, ele e Lecomte de Lisle, ele e Baudelaire, ele e Apolonius de Rodes desprezam a
crítica e o Sr. José Veríssimo; se o sucesso acompanha o indivíduo dado à crítica, este país é uma
cavalariça sem palafreneiros; e se por acaso a fama, que os romanos sábios confundiam com o
falso boato, louva os trabalhos de um pintor, ele como Mantegna, ele como Leonardo Da Vinci,
ele como todos os grandes, tem uma vida de tormentos, de sacrifícios, de ataque aos seus
processos; e jamais se julga recompensado pelo governo, pelo país, pelos contemporâneos, de
ter nascido numa terra de bugres e numa época de revoltante mercantilismo. É fatigante e talvez
pouco útil. Um homem absoluta, totalmente notável só é aceitável através do cartão-postal –
porque afinal fala de si, mas fala pouco. Foi, pois, com susto que ontem, domingo, recebi a
proposta de um amigo:
– Vamos ver as grandes decorações dos pintores da cidade?
– Heim? Estás decididamente desvairando. As grandes decorações? Uma visita aos ateliers?
– Não; a outros locais.