Page 33 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Totalmente interessado, tive uma dessas exclamações de pasmo que lisonjeiam sempre os
informantes e nada exprimem de definitivo. E sorriu, tossiu e falou. Foi prodigioso.
– Os agenciadores de coroas levantam-se de madrugada e compram todos os jornais para ver
quais os homens importantes falecidos na véspera. Defunto pobre não precisa de luxo, e coroa
é luxo. Logo que tomam as notas disparam para a casa do morto e propõem adiantar o que for
necessário para o enterro, com a condição de se lhes comprarem as coroas. Algumas casas têm
mesmo nos cartões os seguintes dizeres – encarregam-se de tratar de enterros sem cobrar
comissão de espécie alguma. E os títulos dessas casas davam para um tratado de psicologia
recreativa. Há os poéticos os delicados, os floridos, os babosos, os fúnebres – "Tributo da
Saudade, "Coroa de Violetas", "Flor de Lis", "Bogari", "A Jardineira", "Coroa de Rosas"...
– Mas...e estes homens aqui?
– Estes homens são os urubus de Santa Luzia, serviço especial e maçônico. Três ficam à entrada
principal da Santa Casa. Quando avistam um tipo, brada o primeiro: estou esperando!
Se o tipo não tem cara de enterro: não quero! Deixá-lo passar. Se o homem vem de tílburi, correm
até aqui a acompanhá-lo... Se o tílburi segue, bradam: naufragou! E voltam ao lugar donde não
saíram os outros. É interessante ouvir-lhes o diálogo. Tu é que não correste! Conheço o homem;
antes fosse, era meu o negócio...
– Mas é horrível!
– É a vida, meu caro. Aqui estacionam sete agentes; o assalto ao freguês vai pela vez, como aos
sábados, nos barbeiros. Quatro oferecem grinaldas aos passageiros que saltam dos bondes; três
aos que vêm a pé. Ao ver o bando ao longe há a frase: De cima! que é o sinal. Do lado de lá!
quando ele salta do lado oposto. Última! quando salta no Necrotério. um dos urubus acerta, grita:
Estou empregado! E feito o negócio o outro avança, dizendo: Grinalda! para obter como resposta:
A tua é minha...
Quando aparece por acaso algum freguês conhecido de um agenciadores dá-se o "combate".
Os três que ficaram "desempregados", desejando "furar" o agenciador amigo, quando não
conseguem convencê-lo arranjam meio de o cacetear até que o negócio não se realize. Nessa
ocasião assistimos a cenas calorosas, a conflitos sérios, em que se faz sentir a intervenção da
polícia. Mas à noite, graças aos deuses, acabado o trabalho, vão todos para a venda do Antônio,
à Rua da Misericórdia, beber cerveja.
– São estes então? fiz, voltando-me.
– Estes só, não. Há outros, os que fazem ponto no Largo da Batalha e rendem estes à hora do
almoço e que só têm o posto depois de ter todas as notas dos tipos que estão na secretaria e
tratar de enterros.
– Como os agentes de polícia?