Page 21 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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– Por quanto?


               – É conforme, continuou o petiz. É inicial ou coroa?


               – É um coração!


               – Com nome dentro?


               O rapaz hesitou. Depois:


               – Sim, com nome: Maria Josefina.


               – Fica tudo por uns seis mil réis.


               Houve um momento em que se discutiu o preço, e o petiz estava inflexível, quando vindo do
               quiosque da esquina um outro se acercou.


               – Ó moço, faço eu; não escute embromações!


               – Pagará o que quiser, moço.


               O rapazola sorria. Afinal resignou-se, arregaçou a manga da camisa de meia, pondo em relevo a
               musculatura  do  braço.  O  petiz  tirou  do  bolso  três  agulhas  amarradas,  um  pé  de  cálix  com
               fuligem e começou o trabalho. Era na Rua Clapp, perto do cais, no século XX... A tatuagem!
               Será então verdade a frase de Gautier: "o mais bruto homem sente que o ornamento traça uma
               linha indelével de separação entre ele  e o animal, e quando  não pode enfeitar as próprias roupas
               recama a pele"?


               A palavra tatuagem é relativamente recente. Toda a gente sabe que foi o navegador Loocks que
               a introduziu no ocidente, e esse escrevia tattou, termo da Polinésia de tatou ou to tahou, desenho.
               Muitos dizem mesmo que a palavra surgiu no ruído perceptível da agulha da pele: tac, tac. Mas
               como é ela antiga! O primeiro homem, decerto, ao perder o pêlo, descobriu a tatuagem.


               Desde os mais remotos tempos vêmo-la a transformar-se: distintivo honorífico  entre  uns homens,
               ferrete de ignomínia entre outros, meio de assustar o adversário para  os  bretões, marca de uma
               classe para selvagens das ilhas Marquesas, vestimenta moralizadora para os íncolas da Oceânia,
               sinal de amor, de desprezo, de ódio, bárbara tortura do Oriente, baixa usança do Ocidente. Na
               Nova  Zelândia  é  um  enfeite;  a  Inglaterra  universaliza  o  adorno  dos  selvagens  que  colhem  o
               phormium  tenax  para  lhe  aumentar  a  renda,  e  Eduardo  com  a  âncora  e o  dragão  no  braço
               esquerdo é só por si um problema de psicologia e de atavismo.


               Da tatuagem no Rio faz-se o mais variado estudo da crendice. Por ele se reconstrói a vida amorosa
               e social de toda a classe humilde, a classe dos ganhadores, dos viciados, das fúfias de
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