Page 26 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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– Uma nova, sim – a oração dos nove.


               Era num canto de rua, por uma tarde de chuva. O pobre garoto, muito magro, com o pescoço
               muito comprido, sobraçava o maço de orações, a sorrir.


               – Mas, criatura, a oração dos nove foi desmoralizada!


               – E agora é que se vende mais. Olhe, eu hoje vendi quatrocentos folhetos. Só de oração dos nove,
               trezentos e vinte cinco.


               Eu acredito nos prodígios. É uma opinião individual mas definitiva. Se a oração dos nove, depois
               de assustar toda a cidade e de incomodar o arcebispo, ainda continuava com um tão grande
               número de crentes, era porque tinha prodigiosas virtudes. Comprei a oração e estuguei o passo.
               Que é afinal uma oração? É um levantamento da alma a Deus com o desejo de o servir e gozar,
               e S. João de Damasco já a definia um pedido de coisas convenientes, com medo de que os fiéis
               pedissem também inconveniências. Aquele menino magro, naquela esquina de rua, era um dos
               insignificantes agentes desse tremendo micróbio da alma.


               Si I’on en croit les savants
               Pour qui toute la Nature
               N’est qu’un bouillon de culture
               Mortel aux pauvres vivants.


               Quantas orações andam por aí impressas em folhetinhos maus,vendidas nas grandes livrarias e
               nos alfarrabistas, exportadas para a província em grossos maços,  ou  simplesmente manuscritas,
               de mão em mão, amarradas ao pescoço dos mortais em forma de breve! Há nessa estranha
               literatura edições raras, exemplares únicos que se compram a peso de ouro; orações árabes dos
               negros muçulmins, cuja tradução não se vende nem por cinqüenta mil réis; orações de pragas
               africanas, para dizer três vezes com um obi na boca; orações para todas as coisas possíveis e
               impossíveis. O homem é o animal que acredita – principalmente no absurdo. Levei muito tempo a
               colecionar essas súplicas bizarras. Há mais de mil: de S. Bento, de Santa Luzia, de Santa Helena,
               Monserrate, S. João Batista, Milagre de Jesus Cristo, Maria Eterna, Santa Bárbara, Menino Deus,
               Santa Catarina, Senhora do Socorro, Santa Teresa, S. Antônio, S. Jorge, Nossa Senhora da Guia,
               S. Marcos, S. Benedito, Santo Sepulcro, Nossa Senhora do Rosário, Magnificat, Anjo Custódio, S.
               Lourenço, S. Joaquim, S. Estevão, Bom Parto, Anunciação para defumar a casa, Santa Filomena,
               Conceição, S. Roque, S. Sebastião, S. Anastácio, S. Simão, Menino Deus contra o sol e o mar
               salgado, Maria Madalena, Dores, S. Pedro e S. Paulo, S. Emídio, S. Tiago pelos agonizantes,
               Sonhos de Nossa Senhora, Juízo Divinal, Perdão Eterno, Senhor dos Passos, S. Cosme e S.
               Damião, Nossa Senhora da Glória, que sei eu? Há até orações a santos que o Papa desconhece
               e nunca foram canonizados, como a oração de S. Gurmim,  boa para a dor de calos, e a de S.
               Puiúna, infalível  nas nevralgias. Os homens vivem no mistério das palavras conciliadoras.


               Antes de nascer tem logo a oração do Bom Parto, em que se suplica à Virgem, apelando para o
               nascimento  de  Jesus,  um  bom  sucesso.  Toda  a  mulher  que  trouxer  consigo  esta  oração  no
               pescoço, rezando todos os dias 7 ave-marias, e uma salve-rainha, 7 dias antes de parir, terá
               sempre junto a seu leito a Virgem Santíssima do Bom Parto.


               Acompanham-na a oração para a dentição e a de Nossa Senhora dos Remédios, logo depois de
               nascido. Quando já fala, decora a oração para ao deitar na cama: "Nesta cama me deito, desta
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