Page 25 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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É a maior das ofensas: nome no calcanhar, roçando a poeira, amassado por todo o peso da
mulher...
Há ainda a vaidade imitativa. As barregãs das vielas baratas têm sempre um sinalzinho azul na
face. É a pacholice, o grain de beauté, a gracinha, principalmente para as mulatas e as negras
fulas que o consideram o seu maior atrativo. Quando envelhecem, as pobres mulheres mandam
apagar os sinais – porque querem ir limpas para o outro mundo, e a Florinda, há pouco falecida,
que rolara quarenta anos nos bordéis de S. Jorge e da Conceição, dizia-me antes de morrer:
– Ai, meu senhor, isto é para os homens! Quando se fica velho arranca-se, porque a terra não
vê e Deus não perdoa.
Grande parte desses homens e dessas mulheres têm o delírio mais sensual, fazem os nomes
queridos em partes melindrosas, marcam os membros delicados com punhais, lâmpadas e outros
símbolos. Neste caso eu tenho o Antônio Doceiro, um lindo rapazito que foi bombeiro depois de
ter rolado pelo mundo, e a Anita Pau. Ambos têm desenhos curiosos por todo o corpo, e a pobre
Anita mostra no calcanhar por extenso o nome do pai seus filhos e traz em cada seio a inicial dos
dois pequenos como numa oferenda – a sua única oferenda de mãe aos desgraçados perdidos...
Num meio de tão fraca ilusão, onde as miçangas substituem os pendentifs d’arte e a vida ruge
entre o desejo e o crime, depois de muito os pobres entes marcados como uma cavalhada – a
cavalhada da luxúria e do assassínio –, começa a gente a sentir uma concentrada emoção e a
imaginar com inveja o prazer humano, o prazer carnal, que eles terão ao sentir um nome e uma
figura debaixo da pele, inalteráveis e para todo o sempre.
Aquele pequeno impressionou-me de novo na sua profissão estranha. Indaguei:
– Quanto fizeste hoje?
– Hoje fiz doze mil réis.
E eu compreendi que afinal tatuador deve ser uma profissão muito mais interessante que a de
amanuense de secretaria...
Orações
– Que está você a vender?
– Orações, sim senhor.
– Novas?