Page 20 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Mas o meu amigo não continuou o fio luminoso de sua filosofia. O catraieiro apareceu rubro de
               cólera, e sutilmente cosia-se com as paredes, ao aproximar-se do cigano.


               De repente deu um pulo e caiu-lhe em cima de chofre.


               – Apanhei-te, gatuno!


               O cigano voltara-se lívido. Ao grito do catraieiro acudiam, numa sarabanda de chinelas, fúfias,
               rufiões, soldados, ociosos, vendedores ambulantes.


               – Gatuno! Então vendes como ouro um anel de plaquet? Espera que te vou quebrar os queixos.
               Sacudiu-o, atirou-o no ar para apanhá-lo com uma bofetada. O cigano porém caiu num bolo,
               distendeu-se e partiu como um raio por entre a aglomeração da gentalha, que ria. O catraieiro,
               mais corpulento, mais pesado, precipitou-se também.


               Os vagabundos, com o selvagem instinto da caça, que persiste no homem – acompanharam-no.
               E pelos boulevards, onde se acendiam os primeiros revérberos, à disparada entre os squares
               sucessivos, a ralé dos botequins, aos gritos, deitou na perseguição do pobre cigano molambeiro,
               da pobre profissão ignorada, que, como todas as profissões, tem também malandros.


               Então Eduardo sentenciou.


               – Tu não conhecias as pequenas profissões do Rio. A vida de um pobre sujeito deu-te todos esses
               úteis conhecimentos. Mas, se esse pobre sujeito não fosse um  malandro,  não conhecerias da
               profissão até mesmo os birbantes.


               A moral é uma questão de ponto de vista. Para julgar os homens basta a gente defini-los segundo
               os  seus  sucessivos  estados.  Se  te  aprouver  definir  os  profissionais  humildes  pela  tua  última
               impressão, emprega os mesmos versos de Guevara com uma pequena modificação:


               Estos son algunos hombres
               De obligaciones, que pasan
               Necesidad, y procuran
               De  esta  suerte  remediarla
               Corriendo por los caminos...


               Os Tatuadores


               – Quer marcar?


               Era um petiz de doze anos talvez. A roupa em frangalhos, os pés nus, as mãos pouco limpas e
               um  certo  ar  de  dignidade  na  pergunta.  O  interlocutor,  um  rapazola  louro,  com  uma  dourada
               carne de adolescente, sentado a uma porta, indagou:
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