Page 130 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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– Mas esta mulher é inteligente!


               – Pois se até ensina a ler.


               Aproximei-me:


               – Ah! meu caro senhor, por piedade, peça ao ministro o meu perdão. Há três anos que sofro. O
               ódio de um inspetor, a falta de amigos e de proteção reduziram-me a este lamentável estado.
               Venho da colônia. Não me trataram como uma presa, trataram-me como uma pessoa digna de
               piedade. E apesar disso eu estou assim. Perdão para mim!


               – E a senhora chama-se?


               – Maria José Correia. Fui professora pública. .


               Deus  misericordioso!  Que  fatalidade  sinistra  arremessara  aquele  pobre  ente  inteligente,
               descendente  de  uma  família  honesta,  à  tropilha  de  uma  colônia  correcional?  Que  destino
               inclemente impele na sombra o homem, forma os vagalhões da popularidade, afoga uns, atira
               outros às estrelas e emaranha no dissabor e na tristeza a marcha do maior número? A essa mulher
               bastara perder o apoio da sociedade, para acabar no horizonte fechado de correcional todos os
               sonhos de ambição, todas as idéias felizes que os pais depositaram no seu espírito. Que lhe servia
               a visão superior do mundo na cloaca do crime e da luxúria? Que lhe servia ter ensinado às crianças
               o amor das coisas dignas, se o seu fim era acabar no eito da colônia, cavando a terra entre as
               desordeiras e as perdidas varridas da cidade?


               Tomou-se uma espécie de medo, de fobia neurastênica. Recuei.


               O guarda dizia:


               – Deixa de lambança, Maria. Todos te conhecem. Saiba V. S  que é popular nos quiosques da
                                                                          a
               Estrada de Ferro Central. Vai às cinco da manhã, e só deixa de beber quando os quiosques
               fecham. Antigamente servia-se da barriga para dizer que estava grávida e ser bem tratada na
               delegacia. Agora não há mais disso. É uma alcoólica mais malcriada que qualquer outra.


               A mulher calou-se. As outras tinham parado e de repente a tísica, a que tinha na face a expressão
               horrenda de uma agonia sem fim, caiu de joelhos soluçando.


               – Se eu tivesse o meu perdão. Nossa Senhora! não morreria aqui! Se eu tivesse o meu perdão,
               eu ia morrer sossegada.


               Fora o sol enchia todo o pátio de um esplendor de puro líquido.


               A MUSA DAS RUAS
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