Page 126 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Há mesmo um preso, Antônio F., que me entregou um artigo de psicologia da imprensa. Antônio
acha que, sendo o papel da imprensa educar os povos, ensinar os homens a serem até bons
esposos, o nosso jornalismo é tudo quanto há de errado, de imbecil e de vazio. "Nada!" brada ele;
"que aproveitam à nobreza, ou à plebe, estas banalidades! Nada! Que valem, portanto? Nada!...
E nada, nada e nada milhões de vezes nada repercutia o eco do Prata ao Pará, se não corrigirem
a grande força."
A quarta idéia, a última, é a idéia fixa, a idéia constante de todos os detentos – escapar, ficar livre,
burlar a prisão, apanhar novamente a liberdade. Os reincidentes conhecem as coisas do foro tanto
quanto com os advogados de porta de xadrez: sabem chicanas, artigos do código, contam os dias
de prisão, fazem petições de habeas-corpus, assinam declarações de inocência de outros, para
que outros assinem declarações idênticas, vivem numa tensão nervosa extraordinária. A religião,
que lhes dá a esperança, o jornal, que lhes lembra a rua, acendem a labareda desse desejo, e é
principalmente a idéia da liberdade que modifica o humor dos presos, que faz freqüentadas as
solitárias, que os torna ora alegres, de uma extrema bondade, ora agitados e terrivelmente maus.
Esses quatro ideais da generalidade dos presos fizeram-me pensar num país dirigido por eles. Um
rei perpétuo governaria os vassalos, por vontade de Deus. Os vassalos teriam a liberdade de
cometer todos os desatinos, confiantes na proteção divina, e a imprensa continuaria impassível
no seu louvável papel de fazer celebridades. Seria muito interessante? Seria quase a mesma coisa
que os governos normais – apenas com diferença da polícia na cadeia, como medida de
precaução. Tanto as idéias do povo são idênticas, quer seja ele criminoso quer seja honesto!
Mulheres Detentas
Quando entramos, algumas detentas lavavam a primeira sala, sob o olhar severo de um guarda.
– Tudo limpo?
a
– Saiba V. S que ainda não.
– Pois apresse, apresse estas mulheres.
O chão de pedra estava cheio de lama. A água suja escorria da soleira da sala em dois grossos
fios e as mulheres, de saia arregaçada, com pulos estranhos, davam gritinhos estridentes. Um
cheiro especial, esquisito, pairava naquela galeria batida de sol, em que os metais reluziam. Os
guardas tinham a fisionomia fechada.
– Quantas presas?
Há atualmente cinqüenta e oito, divididas por três salas, uma das quais é enfermaria. À falta de
lugares, a promiscuidade é ignóbil nesses compartimentos transformados em cubículos. A maioria
das detentas, mulatas ou negras, fúfias da última classe, são reincidentes, alcoólicas e
desordeiras. Olho as duas salas com as portas de par em par abertas e fico aterrado. Há caras
vivas de mulatinhas com olhos libidinosos dos macacos, há olhos amortecidos de bode em