Page 127 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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faces balofas de aguardente, há perfis esqueléticos de antigas belezas de calçada, sorrisos
estúpidos navalhando bocas desdentadas, rostos brancos de medo, beiços trêmulos, e no meio
dessa caricatura do abismo as cabeças oleosas das negras, os narizes chatos, as carapinhas
imundas das negras alcoólicas. Alguns desses entes, lembra-me tê-los visto noutra prisão, no
pátio dos delírios, no hospício. É possível? Haverá loucas na detenção como há agitados e
imbecis? O Dr. Afrânio Peixoto, o psiquiatra eminente, dissera-me uma vez, apontando o pátio do
hospício, onde, presas de agitação, as negras corriam clamando horrores aos céus: – Há algumas
que têm quatro e cinco entradas aqui. Saem, tornam a beber e voltam fatalmente.
As mulheres tinham corrido todas para os fundos das salas, casquinando risinhos de medo.
Naquela tropa, as alcóolicas andavam trôpegas, erguendo as saias com um ar palerma. Indiquei
ao guarda uma delas.
– Venha cá, gritou ele.
As mulheres agitaram-se. Eu? Sou eu? Seu guarda, posso ir? O guarda tornou a chamar a massa
abjeta e foi quase empurrada pelas outras que ela veio, meio envergonhada.
– Quantas vezes esteve no hospício?
A negra olhou para nós. Os seus olhos amarelos, raiados de sangue, abriram-se num esforço e
ela balbuciou.
– Duas, sim senhor.
O álcool ou a preparava para a tísica rápida ou, dias depois, atiraria írremissívelmente para o
manicômio.
As outras criaturas, dotadas de curiosidade irresistível, tinham-se aproximado das portas entre
risadinhas e cochichos depravados, e eu pude assim, com calma e tranqüilidade, apreciar e
interrogar todas as flores de enxurrada, todas essas venenosas parasitas do amor torpe num
campo perdido do jardim do crime. Essas mulheres estão na detenção por coisas fúteis, coisas
que cometem diariamente até à cólera final dos inspetores tolerantes ou a vingança de algum
soldadinho apaixonado.
São moradoras do morro da Favela, das ruelas próximas ao quartel general, dos becos que
deságuam no Largo da Lapa, das Ruas da Conceição, S. Jorge e Núncio. Quase sempre brigavam
por causa de uma "tentação" que tentava e pretendia satisfazer as duas. Outras atiraram-se à cara
dos apaixonados num desespero de bebedeira.
a
– Saiba V. S que da outra vez que estive aqui foi por causa do inspetor. Eu tinha o meu bajoujo;
o bobo cheio de "fobó" estava-se endireitando. Mas veio de carrinho. O diabo vingou-se!
E logo outra, apoplética: