Page 124 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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seus artigos admiráveis tem a generalidade da pena para toda a sorte de escapatórias. Leia o
               dr. Monat, antigo diretor geral prisões na Índia; leia Baker, juiz de paz em Gloucester; leia Browne.
               As reincidências, eles o provam, diminuíram em toda a Inglaterra.


               Outros  perdiam-se  em  frases  confusas,  falando  da  necessidade  urgente  de  reformar  o  nosso
               sistema de detenção, de pôr em ação os dois meios definitivos de corrigir: moralizar e intimidar.
               Eu achei mais interessante estudar as idéias e os estados da alma dos detentos.


               A detenção tem idéias gerais. A primeira, a fundamental, definitiva, é a idéia monárquica. Com
               raríssimas exceções, que talvez não existam, todos os presos são radicalmente monarquistas.
               Passadores moeda  falsa,  incendiários,  assassinos,  gatunos,  capoeiras,  mulheres  abjetas,  são
               ferventes apóstolos da restauração. Não falam,  não fazem meetings, não escrevem  artigos como
               o Dr. Cândido de Oliveira ou o conselheiro Andrade Figueira – sentem intensamente, sem saber
               explicar a razão desse amor.


               – É verdade; qual o governo que prefere? Eles riem, meio tímidos.


               – Eu prefiro a monarquia.


               – Por quê?


               Sim! Por que malandros da Saúde, menores vagabundos, raparigas de vinte anos que não podem
               se recordar do passado regime, são monarquistas? Por que gatunos amestrados preferiam sua
               majestade ao dr. Rodrigues Alves? É um mistério que só poderá ter explicação no próprio sangue
               da raça, sangue cheio de revoltas e ao mesmo tempo servil; sangue ávido por gritar não pode!
               mas desejoso de ter a certeza de um senhor perpétuo.


               O fato curioso é que para esta gente, de outro lado da sociedade, não basta pensar, é preciso
               trazer a marca das próprias opiniões no lombo. Raríssimos são os presos que na detenção não
               são tatuados; raros são aqueles que entre as tatuagens – lagartos, corações, sereias, estrelas –
               não têm no braço ou no peito a coroa imperial.


               A outra idéia é a crença de Deus – uma verdadeira crise religiosa. Rezar, pedir a Deus a sua
               salvação, trazer bentinhos ao pescoço, ter entre os seus papéis imagens  sagradas,  não significa,
               de resto, regeneração.


               Homens da espécie do Carlito ou do Cardosinho fazem o sinal da cruz ao levantar da cama para
               matar um homem horas depois; Serafim Bueno, um criminoso repugnante, tem uma fé surda no
               milagre e em Nosso Senhor; o Carrasco, gatuno torpe, treme quando se fala no castigo do céu –
               mas nenhum deles se regenera. Deus é apenas a salvação das suas patifarias na terra, e tanto
               é assim que não há desordeiro assassino em cuja mão direita não apontem, tatuadas, as cinco
               chagas de Cristo. Sabem a interpretação dada a este sinal?


               A piedosa interpretação de que com a mão, ajudada por tão grande símbolo, não se atira à cara
               de um sujeito uma tapona sem que o contendor não caia ao chão!
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