Page 122 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Céus...meus! por piedade
               Tirai-me desta aflição!
               Vós!... socorrei os meus filhos
               Das garras da maldição!


               E o estribilho mais amargo ainda:


               São horas, são horas
               São horas de teu embarque
               Sinto não ver a partida
               Dos desterrados do Acre.


               O Dr. Melo Morais, que conhece os segredos do violão, deve decerto imaginar o efeito destas
               palavras, à noite, na escuridão com os bordões a vibrar até às estrelas do céu...


               O Amor, de  resto, inunda  o verso detento.  Há  por  todos  os  lados  choros,  soluços,  lábios  de
               coral, saudades, recordações, desesperos, rogos:


               Não sejas tão inclemente,
               Atende aos gemidos meus.


               E um encontrei eu que me repetiu, com os olhos fechados, o seu último repente:


               Se eu pudesse desfazer
               Tudo aquilo que está feito,
               Só assim teu coração
               Não veria contrafeito.


               Era um rapaz pálido, como os rapazes fatais nos romances de 1850, mas com uns biceps de
               lutador.


               Quantos poetas perdidos para sempre, quanta rima destinada ao olvido da humanidade! Cheio de
               interesse, um papel que me caia nas mãos, com erros de ortografia, era para mim precioso. Mas
               afinal, um dia, ao sair da detenção com os bolsos cheios de quadras penitenciárias, remoendo
               frases de psicologia triste, encontrei no bonde um poeta dos novos, que, há vinte e cinco anos,
               ataca as escolas velhas.


               – São uns animais! bradou ele, logo após  um aperto de mão imperativo. Este país está todo
               errado. Há mais poetas que homens. Eu, governo, mandava trancafiar metade, pelo menos, ali,
               com castigos corporais uma vez por mês!


               Mal sabia ele que a detenção já está cheia.


               As Quatro Idéias Capitais dos Presos
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