Page 121 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
P. 121
Para o fim, mesmo em verso, o autor é modesto e patriota:
O autor desta modinha
É um pobre sem dinheiro
Já não declaro-lhe o nome,
Sou patriota brasileiro.
Os companheiros do Prata Preta, pessoal da Saúde, são naturalmente repentistas, tocadores de
violão, cabras de serestas e, antes de tudo, garotos, mesmo aos quarenta anos. O malandro
brasileiro é o animal mais curioso do universo, pelas qualidades de indolência, de sensualidade,
de riso, de vivacidade de espírito. As quadras pornográficas são em número extraordinário; as que
exprimem paixão são constantes, posto que o malandro não as faça senão para ser admirado
pelos outros e independente de amar quer senhora das suas relações. Um gatuno afirmou-me que
a modinha A Cor Morena era de seu amigo. Na Cor Morena há este pensamento de um perfume
oriental:
Fui condenado
Pela açucena
Por exaltar
A cor morena...
Onde se vê o bom humour dos presos é principalmente nas quadras sobre acontecimentos
políticos. O guarda Antônio Barros, que se dava ao trabalho de acompanhar as minhas horas de
penitenciária voluntária, forneceu-me as seguintes remetidas por um dos detentos:
Meus amigos e camaradas
As coisas não andam boas
Tomaram Porto-Artur
Na conhecida Gamboa
Logo o Cardoso de Castro
Ao seu Seabra foi falar
Para deportar desordeiros
Para o alto Juruá
Mas eu que não sou de ferro
Meu corpo colei com lacre
Que não gosto de chalaças
Lá nos borrachas do Acre.
O exibicionismo, o reclamo, a vaidade, estas coisas que enlouquecem Sarah Bernhardt e talvez
a todos nós, enlouquecem também presos. Há a princípio uma hesitação. Depois, os documentos
são abundantes. Ser poeta é ser alguma coisa mais do que preso, e um negralhão capoeira, um
assassino como o Bueno ou o José do Senado, após o testemunho da rima, falam mais livremente
e com maior franqueza. Em duas semanas de detenção colecionei versos para publicar um
copioso cancioneiro da cadeia. Há poesias de todos os gêneros, desde o lundu sensual até à nênia
chorosa.
Este lundu do famoso Carlos F. P. chega a ser comovente: