Page 120 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
P. 120
Fui preso sem nenhum crime
Remetido para a detenção
Fui condenado a trinta anos
Oh! que dor de coração.
E surge afinal a preocupação, a idéia fixa:
Sou um triste brasileiro
Vítima de perseguição
Sou preso, sou condenado
Por ser filho da nação.
Há uma porção de modinhas neste gênero. A idéia constante aparece sempre, ou na primeira
ou na última quadra.
Outro poeta, José Domingos Cidade, é descritivo. Como toda a gente sabe, o poema épico passou
literalmente à cançoneta. Virgílio, Lucano, Voltaire e Luís de Camões, se vivessem hoje, decerto
comporiam os trabalhos de Enéias, a Farsala, a Henriade e os feitios de Vasco da Gama com
refrains ao fim dos versos de mais efeito.
Não há mais ninguém com coragem para ler um poema heróico, apesar de haver ainda neste
mundo de contradições – heróis guerreiros. Só o povo, a massa ignara, ainda acha prazer em ver,
em rimas, batalhas ou arruaças. José Domingos, no cubículo que o veda à admiração dos
contemporâneos, escreveu Os Sucessos, cançoneta repinicada, para violão e cavaquinho.
Vejam o poder de descritiva de Domingos:
Dia quinze de novembro.
Antes de nascer o sol
Vi toda a cavalaria
De clavinote a tiracol.
Isso é incontestavelmente mais belo que o antigo e clássico começo épico: "Eu canto os feitos, ou
as armas, ou as guerras civis", de todos os vates e de Lucano, que por sinal começa dizendo: "Eu
canto as nossas guerras mais que civis nos campos de Ematia. . ." Cidade foi mais urbano, mais
imediato: cantou a refrega civil da Rua da Passagem com exagero apenas. Na segunda quadra,
a descrição é soluçante:
As pobres mães choravam
E gritavam por Jesus;
O culpado disso tudo
É o Dr. Osvaldo Cruz!
Quando o homem predestinado que se chama Osvaldo Cruz pensou que José Domingos o
amarrasse ao papel de carrasco em plena detenção?