Page 115 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
P. 115

A princípio tomei-lhes os nomes: Manuel Fernandes, Antônio Oliveira, Francisco Queirós, Martins,
               Francisco Visconti, Antônio Gomes.


               Mas era inútil. Para que, se o crime está na própria orgarnização da polícia? Está marcado! E eu
               ia  deixar  esse  canto  do  jardim  sinistro  quando  vi  uma  pobre  criancinha,  magra,  encostada  à
               parede, o olhar já a se encher de sombra.


               – Como te chamas?


               – José Bento.


               Tinha catorze anos e era acusado de crime de morte. Fora por acaso, o outro dissera-lhe um
               palavrão... Quem sabe lá?


               Talvez fosse. E, cheio de piedade, perguntei:


               – Vamos lá, diga o que o menino quer. Prometo dar.


               –  Eu? Ah! os outros são maus... são valentes sim, senhor... metem raiva à gente... Até têm armas
               escondidas! A gente tem que se defender... Eu tinha vontade... de uma faca...


               E cobriu o rosto com as mãos trêmulas.


               O Dia das Visitas


               A força de policia é aumentada. Quatro ou cinco guardas contêm a multidão ao lado do porteiro,
               que distribui os cartões. A onda dos visitantes cresce a cada momento, impaciente e tumultuosa.
               São 11 horas da manhã. O sol queima. Há no ar uma poeira sufocadora. O saguão está cheio, a
               calçada está cheia. Do outro lado da rua, doceiros, homens de refrescos, vendedores de frutas
               estabeleceram as caixas e as latas e mercadejam em alta voz.


               Nas soleiras das portas, mulheres gordas à espera, criancinhas choramingas têm o semblante
               desolado  e  triste,  mas  há  também  sujeitos  alegres,  peralvilhos  de  calça  balão  mastigando
               tangerinas e rindo; há curiosos olhando a cena, como no espetáculo, e soldados, soldados da
               brigada, que passeiam gingando, com os tacões altos e o quepe do lado, por cima da pastinha;
               dois turcos vendem imagens de santos, botões, canivetes e fósforos; um italiano, que finge de
               cego,  instala  o  realejo,  e  o  filho  começa  a  remoer  velhos  trechos  de  ópera,  dolorosamente
               angustiosos. De vez em quando passa uma carroça ou um enterro, alastrando a rua de poeira.
               Mais ao longe, trabalham os condenados da correção na nova fachada, e cada passo que algum
               deles dá é logo acompanhado por dois policiais de carabinas embaladas.


               O sol é esmagador, pesa como chumbo. Todos esses semblantes têm qualquer coisa de revoltado
               e de tímido, de desafio e medo. Percebe-se o terror das pessoas importantes e o desejo secreto
               de apedrejá-las, essa mistura antagônica que faz o respeito da ralé.
   110   111   112   113   114   115   116   117   118   119   120