Page 114 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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E a detenção é a escola de todas as perdições e de todas as degenerescências.
O ócio dos cubículos é preenchido pelas lições de roubo, pelas perversões do instinto, pelas
histórias exageradas e mentirosas. Um negro, assassino e gatuno, pertencente a qualquer
quadrilha de ladrões, perde um cubículo inteiro, inventando crimes para impressionar, imaginando
armas de asas de lata, criando jogos, armando rolos. Oito dias depois de dar entrada numa dessas
prisões, as pobres vítimas da justiça, quase sempre espíritos incultos, sabem a técnica e o
palavreado dos chicanistas de porta de xadrez para iludir o júri, lêem com avidez as notícias de
crimes romantizados pelos repórteres e o pavor da pena é o mais intenso sugestionador da
reincidência. Não há um ladrão que, interrogado sobre as origens da vocação, não responda:
– Onde aprendi? foi aqui mesmo, no cubículo.
Recolhida à sombra, nesse venenoso jardim, onde desabrocham todos os delírios, todas as
nevroses, é certo que a criança sem apoio lá fora, hostilizada brutalmente pela sorte, acabará
voltando. Mais de uma vez, na cerimônia indiferente e glacial da saída dos presos, eu ouvi o chefe
dos guardas dizer:
– Vá, e vamos a ver se não voltas.
Como mais de uma vez ouvi o mesmo guarda, quando chegavam novas levas, dizer para umas
caras já sem vergonha:
– Outra vez, seu patife, hein?
Mas que fazer, Deus misericordioso? Nunca, entre nós, ninguém se ocupou com o grande
problema da penitenciária. Há bem pouco tempo, a detenção, suja e imunda, com cerca de
novecentos presos à disposição de bacharéis delegados, era horrível. Passear pelas galerias era
passear como o Dante pelos círculos do Inferno, e antes do Sr. Meira Lima, cuja competência
não necessita mais de elogio, o cargo de administrador estava destinado a cidadãos protegidos,
sem a mínima noção do que vem a ser um estabelecimento de detenção.
Qual deve ser o papel da polícia numa cidade civilizada? Em todos os congressos penitenciários,
até agora tão úteis como o nosso último latino-americano, ficou claramente determinado. A polícia
é uma instituição preventiva, agindo com o seu poder de intimidação, e o Dr. Guillaume e o Dr.
Baker chegaram, em Estocolmo, às conclusões de que uma boa polícia tem mais força que o
código penal e mais influência que a prisão.
A nossa polícia é o contrário. Para que a detenção dê resultados, faz-se necessário seja conforme
ao fim predominante da pena, com o firme desejo de reformar e erguer a moral do culpado. Que
fazemos nós? Agarramos uma criança de catorze anos porque deu um cascudo no vizinho, e
calma, indiferente, cinicamente, começamos a levantar a moral desse petiz dando- lhe como
companheiros, durante os dias de uma detenção pouco séria, o Velhinho, punguista conhecido, o
Bexiga Fraga, batedor de carteira e um punhado de desordeiros da Saúde!