Page 110 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
P. 110

– Chamo-me Abílio Sarano, sou barbeiro. Sempre fui honesto. É a primeira vez que entro aqui por
               causa do crime do Catete. Não sabe? V. S  não sabe? Eu namorei uma moça, d. Geraldina, e com
                                                       a
               ela casei-me. Dias depois do nosso casamento minha esposa confessou-me que tinha sido gozada
               por um negociante, amante de sua própria mãe. Esse homem voltava a persegui-la. Era de noite,
               eu voltara do trabalho e amava minha senhora. Foi como se o mundo todo se desmoronasse. Ela,
               coitadinha, caíra de joelhos; eu interrogava, querendo saber tudo. "Anda, fala, dize como foi." O
               negociante, o biltre forçara-a numa cadeira, e ninguém soubera. Quando acabou, eu estava sem
               forças e chorava. "E agora, Geraldina, que será de nós? que vai ser de nós?" Ela consolava-me.
               Agora, era esquecer esse sujeito odioso. Acreditei e começamos  a viver a triste vida da dúvida. A
               mãe infame e a família continuavam, porém, a seduzi-la. Uma noite, apesar de ser sábado, eu fui
               cedo para casa. Geraldina estava nervosa. Conversávamos na sala quando a criada veio dizer
               que um homem procurava a patroa. "Um homem?  Espera, vou eu mesmo ver quem é." No topo
               da escada estava um cidadão robusto.  "d.  Geraldina está?". Num relâmpago compreendi que era
               ele. "d. Geraldina? Ah! canalha, espera que eu te vou dar a Geraldina!" Saquei do revólver, e
               minha senhora apareceu assustada: "Fuja, seu Álvaro, fuja! Fuja!".  Ela mandava-o fugir. Como
               um louco, ergui a arma. Ele descia os degraus da escada e Geraldina tapara-me a passagem.
               Detonei uma, duas vezes, descemos de roldão. No patamar, o corpo dele jazia. Matei-o, pensei,
               acabei a minha vida!  E deitei  a correr. .. Só mais tarde, soube a verdade. As balas tinham ferido
               minha mulher. Ele fingira-se morto e escapara são e salvo. É por isso que estou aqui.


               O chefe dos guardas chamara-me ao fundo, para a mesa que fica entre as escadas das galerias
               superiores.


               – Há ainda dois casos interessantes: um menino e uma mulher. Quer ver? Vou mandar buscar o
               menino. Sente-se.


               Eu sentei-me. Por todas as janelas gradeadas, o sol entrava claro e benfazejo. Minutos depois,
               surgia, trazido pelo guarda, um pardinho cor de azeitona, dessas fisionomias honestas, alheias a
               devassidões.


               – Como se chama?


               Ele tomou uma posição respeitosa, falando bem, com desembaraço.


               – Chamo-me Alfredo Paulino, sim, senhor. Tenho dezoito anos.


               – E já casado?


               –  Casei aos dezesseis. Os meus parentes não queriam, mas depois o pai disse: "É melhor mesmo.
               Ao menos, não ficas perdido". Eu já ganhava o suficiente  para sustentar dignamente a minha
               família. Casei. Foi nessa ocasião que o Dr. Constantino Néri me ofereceu o emprego de copeiro
               no palácio de Manaus. Aceitei, e voltávamos  para o Rio quando a bordo encontramos um rapaz
               de dezoito anos, chamado José.


               – Era bonito o José?
   105   106   107   108   109   110   111   112   113   114   115