Page 102 - 3M A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS
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Eram amorosas exploradas, ardendo ainda em raiva passional, eram vítimas do caftismo sentindo
               no lábio o freio de lenocínio, eram cocottes do chic, escalavradas de sífilis, na dor do luxo passado,
               e velhas, velhas sem pecado, que a miséria, a ingratidão e a misteriosa fatalidade desfaziam nos
               mais amargurados transes. Nunca os descabelados românticos imaginaram tão torvos quadros.


               Já quando se lhes pergunta o nome com bondade, a surpresa estala em choro.


               –  Chamo-me  Zoarda.  Sou  cubana.  Vim  para  o  Rio  com  um  pelotari.  Ao  chegar  aqui,  outro
               conquistou-me. Fui explorada por ambos. Eram bonitos, eram fortes!  Adoeci; eles tomaram outra.
               Quando saí do hospital só pensava em matá-la!


               – A quem?


               – A ela, a outra. Fui, entretanto, presa e novamente segui para a Gamboa, onde cheguei a ser
               enfermeira. Quando de lá saí, roída pela moléstia, estava este trapo à espera do Zé-Maria.


               – O Zé-Maria?


               – Sim, da morte!


               Zoarda vive a fingir que tem barriga-d’água.


               – Josefina Veral, sim, senhor. Vim como criada. Um homem raptou-me; vivi com ele seis anos.
               Entreguei-me à prostituição explorada por dois malandros. Roubavam-me, a moléstia acabou a
               obra... Não posso trabalhar.


               E de dentro de sua negra boca saem descrições satânicas da vida que a inutilizara.


               – Ema  Rosnick,  nascida  em  Budapeste  em  1874.  Fui  enjeitada  num  corredor.  Os  moradores
               levaram-me à polícia que cuidou de mim. Aos 18 anos casei com Rosnick, um debochado. Uma
               vez atirou-me aos braços de um amigo, a quem matou depois por questões de jogo; vim para o
               Brasil...Oh! os exploradores. Estou neste estado.


               Esta mulher de trinta anos parece ter sessenta.


               E outras e outras, floristas ainda moças, velhas que tiveram lar, mulheres passionais ou vítimas
               do amor, como nas prosas byronianas de 1830, como nos dramalhões do Recreio, um mundo
               de soluços, que, visto, ao nosso cepticismo parece falso.


               Certa noite, no Largo da Sé, encontramos junto ao quiosque, cheia de latas velhas e coberta de
               andrajos, uma cara de velha boneca aureolada de farripas louras. A cara sinistra falava francês.
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