Page 96 - 2M A INTRUSA
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                  perdidos. Fugira da realidade amarga para o sonho consolador, onde resistia às
                  solicitações da verdade...


                         – Por que não afagar uma ilusão, quando ela suaviza um sofrimento?
                         – Vovó está doente?!
                         – Não... vai-me custar...
                         – A culpa não é minha! – observou o barão.
                         – Ninguém te acusa; descansa.
                         – Que é que vai custar, vovó?
                         – Nada... Filha...


                         Glória voltara a olhar para a rua, rindo de umas coisas, admirando-se de
                  outras.
                         Quando o carro parou à porta de Argemiro, a baronesa, dominando a dor em
                  que o seu coração se dissolvia, estendeu a mão ao genro, que descera à rua para
                  ajudá-la a sair da carruagem.
                         A baronesa atravessou o vestíbulo com passo firme e vagaroso. Argemiro
                  sentia no braço o peso da sua mão gorda alvejando entre as malhas negras da luva
                  de retrós.

                         – Fez boa viagem? – perguntou-lhe ele carinhosamente.


                         Mas era pedir muito, pedir-lhe que falasse. Ela não respondeu. Os seus olhos,
                  de um azul turvo, interrogavam a porta do interior da casa, onde Maria vinha recebê-
                  la outrora...
                         Penetrou na saleta com o mesmo silêncio prudente. As lágrimas estavam-lhe
                  na garganta. Glória embarafustou pela casa, à procura de D. Alice. O barão sentou-
                  se em frente da mulher e do genro, enxugando a calva, úmida, com movimentos
                  nervosos.
                         Argemiro esperava...
                         Cansou-se. O constrangimento dos velhos fez-lhe pena. Começou:


                         – Esta casa é a mesma de há oito anos, menos, muito menos alegre, mas
                  igualmente sua. O que lhes peço é que se dirijam à governanta,  D. Alice, que tem
                  plenos poderes para qualquer determinação, e com ela se entendam sobre tudo o
                  que desejarem. É uma moça distinta e a sua convivência espero que lhes seja tão
                  agradável quanto a sua gerência nesta casa me é útil...

                         Estas últimas palavras disse-as todas voltado para a sogra, que o ouvia sem
                  pestanejar e muito séria. Ele continuou:

                         – Como sabem, esta senhora vive nesta casa sem que eu a conheça; e já
                  agora manterei até o fim esta situação que parecerá esquisita a toda a gente, menos
                  aos senhores... É um ponto sobre o qual não desejo insistir e por isso limito-me a
                  pedir-lhes que a tenham na conta mais de uma amiga da família, proveitosa
                  principalmente à minha filha, do que de simples despenseira...


                         O barão espiava o efeito das palavras do genro no rosto da baronesa. Pálido,
                  mais descaído sobre as peles moles do pescoço, ele alongara-se, emurchecido. As
                  rugas faciais, das narinas ao queixo, cavavam-se fundas, denegrindo a brancura

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