Page 99 - 2M A INTRUSA
P. 99
www.nead.unama.br
E o filho, desigual no humor, ora tímido, ora arrebatado, cresceu sob a
sugestão desse sonho. O que lhe valia a ela era a amizade do Argemiro, que, mais
velho um ano que o amigo, lá o entretinha com as alegrias do seu temperamento
robusto. Eram vizinhos, estudavam no mesmo colégio, amavam os mesmos poetas,
completavam-se pelas suas semelhanças e dessemelhanças.
A amizade de Argemiro foi um alívio para D. Sofia. Bem percebia ela não
bastar à felicidade do filho!
Os dois rapazes viviam como irmãos!
Passaram-se anos assim, até que um dia entraram ambos em casa, um
radiante, outro constrangido. Que se passara? não o soube nunca; mas por mal dela
o constrangido era o filho, que entrou a empalidecer... a não dormir... enquanto o
outro prosperava!
– Meu filho! que tens?
– Nada...
– Escondes-me alguma coisa!
– Nada...
– Quero-te alegre!
– Mas eu estou alegre... acredite que estou alegre e que sou feliz.
Era sempre o que ele afirmava.
"Ele mente-me!" – pensava a mãe amargurada. E a sua obra, a alegria, a
ambição de glórias que, durante tantos anos se esforçara por implantar no filho,
sumia-se, derrocava-se, sem que lhe fosse possível, a ela, ampará-la para a
reconstruir!
– Ele mente-me...
Ela queria-o franco, risonho, amigo da vida. Ele retraía-se, tomava ares
abstratos, entregava-se a leituras filosóficas e a estudos incompatíveis com a sua
idade. Ela não entendia bem daquilo, mas pressentia um perigo sem forças para o
combater...
– Ele mente-me...
Era a sua amargura. O filho tornara-se de uma sensibilidade doentia; fugia da
sociedade, evitava a própria mãe, que se encolhia chorosa, para o não aborrecer.
Aos vinte e três anos viu-o morto com uma febre. E aos vinte e cinco – padre!
Não o quis contrariar, não se podia opor. Ele lá teria uma razão diferente
daquela que alegava e que ela espiara em vão!
Não fora chamado por Deus ao sacerdócio, fora levado por uma causa
estranha, mas inabalável.
Sonhar! de que vale o sonho que não frutifica, flor que se esfolha e de que
nem o aroma sequer permanece com suave consolação!
Ela sacrificara-se para tornar aquele filho um vencedor, um homem! e ei-lo
místico, retraído, isolado do mundo para que o destinara!
Ela pedira-lhe uma nora, ele trouxera-lhe uma batina, e à sua indagação
angustiosa:
– Meu filho, que tens?!
98