Page 100 - 2M A INTRUSA
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                         Respondia ainda:

                         – Nada. Eu estou contente... Eu sou feliz!


                         "Mente-me!" – pensava ela consigo, disfarçando as lágrimas.
                         O que lhe valia era a amizade do Argemiro. Esse, sim, era um rapaz sólido,
                  prático como ela desejara o seu...
                         Ah, não se podia esquecer nunca! No dia em que Assunção, pálido e trêmulo,
                  lhe confiara a resolução de ser padre, ela levantara para ele a mão, como no tempo
                  de criança, em que se via forçada a corrigi-lo... Ele estendera-lhe a face, como
                  Cristo; ela retraíra-se, desatando num pranto soluçado.
                         Negava o seu consentimento; não queria! O homem não nasce para o
                  celibato, mas para a família; a missão ensinada por Deus é a do criador! – afirmava.
                         E toda aflita:

                         – Mas, que determinou semelhante idéia, meu filho?
                         – A vocação...
                         – Não... não! Tens algum desgosto contigo!
                         – Não tenho nada. Eu sou feliz...
                         – Ele mente-me! – gemia sempre a mãe, por dentro, com os olhos extáticos
                  no semblante impassível do filho.


                         Ele tornava-se de pedra e era em vão que ela se debatia à espera de um
                  milagre que nunca se realizou.
                         Teve que ceder, mas sem resignação.
                         O que lhe valia agora era a pobreza. Começou a repartir as suas migalhas
                  com os vizinhos necessitados. Toda a sua atividade empregava-a a bem dos outros.
                  Chamou para casa duas crianças órfãs e entretinha-se a ensiná-las e a vesti-las.


                         – Quando eu morrer – dizia ela ao padre – tu olharás por elas como se
                  fossem teus filhos!


                         Forçava-o assim à paternidade; obrigando-o a amá-las, empurrando-as para
                  os seus joelhos, contando-lhe as suas gracinhas, fazendo-o adorado por elas.
                         Até já achava nas crianças traços da família. Assunção deixava-se assaltar e
                  abria os braços aos pequenos; mas a sua predileção não estava ali. A propósito de
                  tudo falava em Glória. Era a sua preocupação. Uma selvagem!
                         A mãe não tinha ciúmes. Sorria. Se ele tivesse três filhos amaria os três, mas
                  em verdade se preocuparia mais com a menina! Os de casa eram rapazes, ambos
                  de origem estrangeira, órfãos de italianos desconhecidos. Glória, essa era uma
                  continuação dos entes que mais se prendiam ao seu passado, do Argemiro e
                  daquela suave Maria, que o estimara como irmã.
                         D. Sofia encontrara a salvação nos pequenos a que se dedicava. O seu
                  espírito carecia do sonho. O filho cortara pela raiz todos os que floresciam nela até o
                  dia em que se fez padre...
                         Com o correr dos tempos, fora se habituando à batina do filho, mas
                  continuava a freqüentar pouco a igreja, certa de que Deus a ouviria igualmente do
                  seu humilde canto.
                         Assunção mudara também; perdera a taciturnidade, interessava-se pouco a
                  pouco pela vida.

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