Page 95 - 2M A INTRUSA
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                         Adolfo Caldas apareceu entre os umbrais da porta, com as largas faces
                  rubicundas crestadas de sol. Fora a Paquetá por causa de uma mulher. Não valera o
                  sacrifício...
                         E o serão, passaram-no a falar de amor, de política e de negócios.
                         No outro dia, às onze da manhã, um carro conduzia os barões e Glória, da
                  Central para as Laranjeiras. Estava um dia, como dizia Eça, arrepiado. Pequeninas
                  nuvens cinzentas em forma de escamas sobrepunham-se no azul do céu. Nas ruas
                  andava gente agasalhada. Um ventinho úmido filtrava-se por entre as ramas
                  empoeiradas do arvoredo das praças.
                         O barão sumia-se no assento do fundo, entre as dobras fartas da saia
                  castanha da mulher, que uma expressão de firmeza e resolução animava. No
                  assento da frente, Glória, com um largo chapéu de fitas amarrotadas, observava
                  tudo o que via de relance pelas calçadas. Comentavam a falta de Argemiro. Por que
                  não teria vindo Argemiro à estação?
                         Feliciano, esse viera, e lá ficara despachando malas e embrulhos para casa.
                  Bem bom rapaz, o Feliciano.
                         A baronesa preparava o ânimo para conflitos! Bem suspeitava de que o genro
                  não estaria contente, ele que tanto a estimava havia poucos meses! Ia, enfim, ver o
                  focinhozinho dessa D. Alice, que se metia em tudo, estragando a felicidade da
                  família. Era o fermento mau; era a colher de veneno, a gota de azeite rançoso no
                  leite doce e fresco! Como a receberia ela? Como uma criada grave?... Como uma
                  dona de casa? A baronesa preparava-se mentalmente: para tal caso, tal atitude...
                         O carro ia depressa, abalando o fígado doente do barão, que se submetia a
                  tudo contrariado, e fazendo tremer a papada flácida da baronesa.
                         A sombra das suas lindas mangueiras, o sossego das suas salas amplas,
                  abertas para o silêncio dos campos ramificados por grossas veias de águas
                  fugitivas, o recorte azul das montanhas afastadas, que lhe era doce contemplar da
                  sua varanda ao pôr do sol, afiguravam-se-lhe bem perdidos para sempre, como se
                  não de bairro, mas para outro país estivesse de mudança!

                         – Arre! – exclamou o barão, sem poder sofrear uma praga, a um arranco do
                  carro, que lhe abalou todas as vísceras.
                         – Tem paciência, meu velho! – aconselhou a baronesa, voltando-se para ele
                  não menos abalada.
                         – O Feliciano escolheu o carro pior que encontrou! Decididamente...


                         Outro balanço cortou-lhe a frase e o barão suspirou, lamentando de si para si
                  a perdida liberdade da chácara, vigiando as suas plantas, os viveiros de pássaros,
                  os seus estudos de botânica, práticos, gostosamente feitos pelas orvalhadas das
                  madrugadas de maio! Desacostumara-se a olhar para as paredes, odiava a cal.

                         – O mar! – gritou Glória com alegria.


                         O carro entrara no cais da Lapa.
                         A baronesa demorou o olhar sobre a neta. Estava certa de que ela a
                  atrapalharia... era um obstáculo à execução dos seus planos. Depois cerrou as
                  pálpebras, sem querer ver a rua por onde a sua Maria passara rígida, fechada à
                  chave, entre galões de ouro, caminho do Caju...
                         Desde esse dia que não tornara àquele bairro, em que a sua imaginação
                  teimosa insistia em fazer de Maria o mesmo ser animado e doce que fora em tempos

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