Page 91 - 2M A INTRUSA
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                         – Tua sogra descerá?...
                         – Amanhã. Ela entra por uma porta e a Alice sairá pela outra; é o que vai
                  acontecer.
                         – Talvez não...
                         – Vê se com o teu prestígio de padre e a tua diplomacia consegues conciliar
                  as coisas...
                         – A baronesa desconfia de mim...
                         – Ah, já notaste!
                         – Todavia, procurarei elucidá-la. Ninguém acredita, a não ser os amigos
                  íntimos, que mantenhas no segredo da casa a situação que fazes transparecer cá
                  fora... Não censures tua sogra, pela mesma persuasão, que...
                         – Persuada-se do que quiser; mas não lhe assiste o direito de impedir a
                  minha vontade e a minha liberdade de homem, de fazer o que eu muito bem
                  entender. Nem a minha mãe seria capaz disto, nesta situação...
                         – Não te exaltes...
                         – Meu sogro notou com certeza o meu sorriso amarelo...
                         – Pobres velhos!
                         – Só os lamentas a eles! E a mim?...

                         Assunção não quis dizer a quem mais lamentava, mas a figura pálida de Alice
                  atravessou-lhe o espírito numa auréola de piedade. A sua comissão era muito
                  delicada, e nem sabia por onde começar.
                         Argemiro passeava agitado pelo escritório, falando entrecortadamente:

                         – Exatamente agora, que tenho tanto trabalho... aquele doce sossego... ainda
                  ontem escrevi até as duas horas... Qual!... E aquela mania da comida sem sal?!... E
                  eu que aprecio os salgados... Outra coisa que eu abomino... o cheiro do tal mate
                  queimado! E o senhor meu sogro não dispensa o mate!... logo de manhã cedo é
                  cada xícara! O Feliciano vai rejubilar-se! Se me aparecer com a cara alegre, mato-
                  o!... Se não fossem certas considerações... Ah! os meus livros, tão bem
                  arrumadinhos... Hás de crer? Depois que ela está lá em casa nunca achei uma falta
                  e nem uma traça na minha biblioteca! Antes, era um desespero! O Feliciano tinha
                  aquilo em uma desordem... Eu estava agora tão bem... tão bem... Que castigo!
                         – Tranqüiliza-te... tudo se há de arranjar. Por quanto tempo vêm os teus
                  velhos?
                         – Tempo indeterminado. Quer dizer, toda a vida!
                         – Se eles soubessem deste acolhimento...
                         – Sabem. Presumem! Minha sogra com que fim vem cá para baixo? Com o
                  fim de escangalhar a minha felicidade. Pensa que eu amo, que sou correspondido e
                  vem pôr-se entre os meus beijos e os da pobre rapariga... O que conseguem com
                  isso tudo? Despertar-me a curiosidade e obrigarem-me talvez a apaixonar-me de
                  verdade. E ainda se hão de queixar de mim, quando eu confessar isso! Verás.


                         Assunção sorriu, dando razão ao amigo, sem, entretanto, se manifestar.

                         – Envergonho-me antecipadamente do que se vai passar lá em casa...
                         – Tua sogra é delicadíssima...
                         – É ciumenta! e os ciumentos chegam a praticar desatinos! Lembras-te de
                  Maria? Um anjo; mas quando lhe dava para ter zelos... perdia a cabeça!
                         – Tal qual a mãe... Decididamente, eu vou me embora!

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