Page 90 - 2M A INTRUSA
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deito-me, saio, entro, janto, converso, ralho ou rio, sem ter que dar por isso a mínima
satisfação a ninguém. Vais ver agora! Minha sogra e ela são incompatíveis...
– Talvez não...
– Sim, com certeza! Abre-se a guerra. A moça sai. O Feliciano readquire o
perdido prestígio. Começa o desbarato dos charutos, das camisas engomadas e das
gravatas. A mobília ficará com pó; a comida será atirada para os pratos como para
os cães. Minha sogra, velha e pesada, não poderá subir e descer as escadas na
fiscalização dos quartos. Os retratos de Maria aparecerão rodeados de perpétuas e
sempre-vivas, flores da minha especial embirração; aquele perfume suave que me
entrou em casa com esta rapariga, desaparecerá com ela; abrirão a porta do
galinheiro para o jardim e secarão roupas no gradil do terraço do fundo... Verás! À
noite não poderei passear no meu quarto, como costumo fazer, com receio de
incomodar a mamãe, que tem sono leve e sofre de enxaquecas; e terei mesmo, para
sossegá-la, de apagar a vela muito antes de adormecer, porque tem medo de
incêndios!...
Assunção sorriu.
– Que pretexto dá para essa resolução?
– Doença. Está doente e precisa vir morar ao pé dos médicos!...
– Efetivamente, achei-a abatida outro dia...
– A doença dela, sabes qual é? Ciúmes! Vem vigiar-me... pôr obstáculos...
fazer cenas... Como se eu me sujeitasse!
– Não...
– Não?! És inocente! Mas eu fujo, invento uma viagem. Parto!
– Para onde?
– Não sei... para o inferno.
– Pobre senhora...
– Eu adoro-a, Assunção! Adoro-a lá, à sombra das suas mangueiras,
afundada na sua cadeira de balanço, cheirando a alecrim e dizendo as coisas
maternais que sabe dizer. Mas em minha casa atrapalha-me... desarranja-me a
vida... altera-me o sossego. Pensa comigo: minha sogra pode viver em companhia
de Alice?
– Pode...
– Como?!
– Pedindo-lhe para não se imiscuir em nada na direção da casa...
– Seria bom se ela não viesse já com o propósito de suprimir a outra. Engole-
a. Verás que a engole logo na primeira entrevista.
– Exageras...
– Estás convencido disto, tão bem como eu. Não a defendas, nem disfarces!
– Quem te deu essa notícia, o barão?
– Sim. Quando vocês entraram ele acabava justamente de pedir-me que lhe
dispensasse um quarto em minha casa. Outra coisa: o meu quarto eu não o dou; e a
não ser o meu, o único quarto nas condições de servir-lhes é o que dei à
governanta... terei de a desalojar... é desagradável isso, não te parece? Será
necessária a tua intervenção. Agora levo em capricho, não quero ver nem falar com
aquela moça. Uma sacrificada à brutalidade dos outros.
– De que me incumbes?
– De ir comunicar isso mesmo à coitada e combinar com ela os arranjos do
quarto...
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