Page 60 - 2M A INTRUSA
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                  correnteza? A vida não faz outra coisa senão passar, e a dela então imobilizara-se
                  num momento de horror? Uma noite, em sonhos, a filha apareceu-lhe lavada em
                  pranto. Seus olhos, como dois ramos de miosótis inundados, vinham varados pela
                  tristeza moça do amor. Não houve outra queixa. A mãe compreendeu-a. Era tempo
                  de agir. Consultaria os espíritos, já que na terra não a ajudava ninguém.
                         Lembrou-se de uma tal D. Alexandrina, da estação do Rocha. Contavam-se
                  dela maravilhas, revelações estupendas!
                  Preparou-se cedo. Vendo-a sair do quarto, de chapéu e de capa, o marido espantou-
                  se, tão raramente ela punha os pés na rua.


                         – Vou à missa pedir a Deus saúde e juízo para Glória. Ela faz anos hoje...
                         – Sei...

                         A baronesa não sabia mentir.
                         Ao mesmo tempo que falava, as faces tingiam-se-lhe de vermelho.
                  Mas o marido não deu por tal; e ela saiu.
                          D. Alexandrina morava num sobradinho estreito, onde a baronesa entrou
                  envergonhada. Fizeram-na esperar numa salinha de jantar atravancada por uma
                  mesa coberta por um pano de aniagem, de franjas sujas, uns caixotes acolchoados,
                  à guisa de divãs.
                         Nas paredes, colados sobre os mandarins do papel desbotado, cromos de
                  folhinhas e uma gravura representando o Marechal Floriano Peixoto. Depois de
                  alguns minutos de espera, entrou D. Alexandrina, uma mulherzinha magra e morena,
                  quase sem queixo, de olhos redondos.
                         A baronesa entrou, seguindo-a, para uma alcova, onde ardia uma lamparina
                  em frente a um oratório. Como na sala de jantar, havia ali profusão de imagens
                  coladas às paredes; somente, estas eram apenas de santos. Uma cortina de chita
                  corrida encobria um leito de que se viam somente os pés. Ao cheiro do óleo da
                  lamparina juntava-se o de manjericão, num copo.
                         D. Alexandrina retirou um baralho de cartas de uma gaveta, pousou-o sobre a
                  mesinha redonda, junto à qual se sentaram e, pedindo com um gesto à baronesa
                  que esperasse, voltou-se para o oratório e rezou baixo, com os olhos e o queixinho a
                  tremer-lhe.
                         Finda a reza, a cartomante pediu à baronesa que partisse o seu baralho, de
                  grandes cartas, e começou a operação.


                         – A senhora tem uma inimiga...

                         A baronesa fez que sim com a cabeça.


                         – É uma mulher má, que abusa da sua confiança...
                         – Da minha confiança?!
                         – Repito o que está nas cartas... A senhora tem a receber uma grande
                  herança...
                         – Não...
                         – Sim... daqui a um ano... Mas deve mudar-se da casa em que está, antes
                  que lhe suceda um desastre... A sua inimiga é moça, é bonita e é pertinaz; ela
                  alcançará tudo que deseja, se a senhora não se atravessar no seu caminho... Ela
                  finge amar seu marido, por cálculo...
                         – Meu marido, não... meu genro! – retificou a baronesa, ofendida.

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