Page 63 - 2M A INTRUSA
P. 63

www.nead.unama.br




                         – Pobres vão lá... às vezes até tenho vontade de enxotar aquela canalha
                  toda... mas o patrão deu licença...
                         – Impostora! Que dinheiro ela ganha para poder fazer tanta caridade!
                         – Não, senhora, são os restos... ela tem lá uns devotos para a ceia...
                         – A despensa está bem sortida!
                         – A senhora não fale nisso ao patrão, porque ele disse outro dia ao padre
                  Assunção, à minha vista, que nunca em sua vida teve casa tão bem administrada
                  como agora!
                         – Nunca, em sua vida?!
                         – Depois que D. Maria faleceu...
                         – Ah...
                         – Agora me lembro que foi lá um dia um moço procurar a D. Alice!
                         – E...
                         – Foi numa segunda-feira; ela tinha saído com D. Glória.
                         – Então não a viu?
                         – Não, senhora.
                         – Mas ao menos não lhe perguntaste o nome?
                         – Não quis dizer...
                         – Era fino... bonito? Há de ser o tal!

                         Estavam a curta distância da casa, quando Glória saiu correndo:


                         – Vovó! Por que não me levou? Venha depressa! Vovô não quer me deixar
                  abrir o embrulho que veio no carro e eu sei que é para mim! Adeus, Feliciano. Como
                  está D. Alice?
                         – Em vez de perguntar por teu pai, perguntas pela... criada! Anda, vamos ver
                  o teu presente!
                         – Papai virá logo... mas a D. Alice...
                         – Basta! não quero que me tornes a falar nessa criatura... ouviste?
                         – Eu gosto dela... é bem boa!
                         – Para o fogo.
                         – Eu gosto dela muito!
                         – Mas D. Glória lá em casa trata a D. Alice com secura... – observou o negro.
                         – É mentira! Você é um mentiroso! – protestou a menina, com raiva.
                         – Glória!
                         – Que é, vovó?

                         A baronesa não podia mais. Entrou e fechou-se no seu quarto. Arrependia-se
                  já daquelas ações que praticara. Deus a livrasse de condenar uma inocente, mas lhe
                  desse forças para punir uma culpada. O que a afligia eram os meios de que lançara
                  mão para conhecer a verdade. A espionagem do negro... a intervenção da
                  cartomante... oh! como isso lhe repugnava agora, bem a sós com a sua consciência!
                  Valera a pena viver uma vida pura e nobre, para na velhice fazer aqueles desatinos?
                  O retrato da filha, suspenso à cabeceira da cama, absolvia-a daquela culpa,
                  sorrindo-lhe docemente de entre a onda pálida dos cabelos soltos.
                         A baronesa sentia nojo pelas armas que ia preparando para o combate.
                  Repugnava-lhe ter de servir-se da adivinha e do Feliciano. Receava acreditar
                  demasiadamente na primeira; temia fazer-se eco dos despeitos do segundo... e
                  todavia aceitava as indicações da cartomante, espantada de lhe ter ouvido


                                                                                                          62
   58   59   60   61   62   63   64   65   66   67   68