Page 56 - 2M A INTRUSA
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                  encomendava o seu almoço ali mesmo, no ponto mais visível do jardim, inquirindo
                  ao mesmo tempo com a vista se o inglês estaria almoçando na sala de jantar...
                         Não estava; e o criado, jeitosamente interrogado, declarou ter Sua Excelência
                  descido no primeiro trem, para ir buscar um amigo a bordo do Madalena.
                         A Pedrosa olhou com raiva para os dois copos de vermute e apressou o
                  almoço!
                         Sinhá contemplava a paisagem magnífica, afastada da mãe, perturbada por
                  um sentimento que não saberia explicar. Era como se, meio despertada de um
                  sonho extravagante, a sua consciência não pudesse determinar ainda bem a
                  realidade da vida, pressentindo-a apenas...
                         Um dia de cetim, macio, vazava sobre montes e mares uma luz clara,
                  destacando as copas das árvores e os pedregulhos das praias, escorregando pelas
                  encostas acolchoadas de mato, de onde irrompiam pios de aves e manchas
                  alvinitentes das umbaúbas. Duas grandes borboletas, de um azul dourado
                  intensíssimo, perseguiam-se, indo e vindo, ora ao pé, ora longe da moça, que as
                  acompanhava com o olhar deslumbrado. Para onde ia uma, partia logo a outra, para
                  voltarem juntas, pousarem no mesmo galho, beijarem a mesma flor.
                         Amam-se, e o amor deve ser aquilo, o não poder estar uma sem a outra, na
                  ânsia do beijo definitivo, do laço que as prende até a morte!... Felizes as borboletas,
                  que procuram sozinhas os seus casais...


                         – O homem foi-se! – exclamou a Pedrosa, aproximando-se da filha. E logo
                  depois:
                         – Estás com os olhos chorosos!
                         – É de olhar para a luz...
                         – Bem, vamos almoçar. Ora, que contrariedade! O bêbado não podia escolher
                  outro dia para ir buscar o amigo! Diz que foi buscar um amigo a bordo. Enfim, é um
                  passeio... há de fazer-nos bem... ficará para outra ocasião...
                         – A senhora não desiste?
                         – Não. Nunca desisto do que empreendo. Senta-te. Mas eles estão pondo a
                  mesinha... Tens fome? Eu perdi o apetite. Isto aqui sem companhia é insípido... E
                  eu, que dei ordem ao João para me esperar às 4 horas...


                         A outra mesinha era para um casal, a mulher morena e robusta, o marido já
                  grisalho e magrinho.
                         A Pedrosa reconheceu-os logo que os viu e disse à filha:

                         – É a Marianinha Serpa, do Rio Grande... foi minha colega nas Irmãs. Deus
                  queira que não me reconheça!...
                         – Por quê?!
                         – Filhinha, assim como devemos procurar certas relações, devemos evitar
                  outras... esta senhora é casada com um médico e tem dele não sei quantos filhos...
                  abandonou a família e participou agora a toda a gente o seu casamento com este...
                         – O outro morreu de desgosto?
                         – Não; em primeiro lugar, porque o desgosto não mata; depois, porque ele
                  também se casou com outra!


                         Sinhá arregalou os olhos, espantada.
                         A manhã era de revelações! Ela cuidara sempre que os laços do matrimônio
                  eram indissolúveis... A grande poesia do casamento parecia-lhe estar na

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