Page 59 - 2M A INTRUSA
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– Que tal o viuvinho, hein?! E o bandido do padre, que ainda hoje afirmou que
o hipócrita vive só com a sua saudade! Será o nome dela?! Deixa-a estar... vamos a
ver quem vence!...
– Mamãe!
– Mamãe! Mamãe! lá estás tu a balir como uma ovelhinha assustada! Ora, o
ladrão do Argemiro!... Este Rio de Janeiro está perdido! É por isso que ficam tantas
moças solteiras... O ménage! já é com um descoco que falam na sua ménagère!...
Se as mães não tomam sentido, ficam as filhas em casa... havemos de defendê-las,
custe o que custar... Ladrões!
– Mas não pense mais no Argemiro... mamãe...
– Hein?! que idéia, não pense no Argemiro! mas se ele é o marido que te
convém! Julgas que é muito fácil encontrar um homem que reúna tantos predicados?
Só por ter uma ménagère? Desistir de um marido por causa de uma ménagère!
Tolinha... isto até prova em seu favor... já não cheira à defunta... Depois, essa
espécie de mulheres só embaraçam os tolos. Acredita que muitas vezes é a amante
quem atira, inconscientemente, um homem para os braços da esposa... Tu... bem!
mas por enquanto não te posso dizer mais nada. Já falei demais.
Sinhá olhava para a mãe com olhos de espanto.
Capítulo X
Era uma fortuna cair o aniversário de Maria num domingo. Sempre era um dia
roubado à companhia da outra. O consumidor ciúme trazia a baronesa doente, de
uma tristeza sem remédio. Os beijos da neta sabiam-lhe a falsidade, os seus
abraços, amolecidos, tinham perdido o ímpeto selvagem dos tempos de que a via ir
fugindo tão depressa. Qualquer dia levá-la-iam de todo, sem que nem ela ao menos
voltasse a cabeça para trás, para um último sorriso...
Nem por ser exercitado no amor, o coração deixa de desvairar se o
contrariam!
Às vezes, para o desabafo, a queixa subia-lhe aos lábios descorados; mas o
marido, inflexível, acudia logo, com a crua lei do destino:
– Acostuma-te: mais tarde ela terá de acompanhar o marido, como a avó
acompanhou o avô, e a mãe acompanhou o pai.
E ela, então, gemia desconsolada:
– Até lá, onde estarão os meus ossos! – como se a idéia da morte a
tranqüilizasse.
Se os pensamentos a atormentavam de dia, à noite perseguiam-na os
sonhos. Alice, sempre a Alice, apresentava-se-lhe sob diversas formas, mas sempre
com as mãos que nem garras.
A insistência da idéia penetrava-a de crenças novas. Debateu-se em vão,
concentrada no seu canto, com os olhos no retrato da filha, que o tempo ia
desvanecendo num descolorido suave. Assim se atenuasse na sua alma a dor,
como aquela sombra no papel! Por que há de haver coisas eternas na vida
transitória? Já viu alguém refletir-se uma imagem com fixidez em águas de grande
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