Page 65 - 2M A INTRUSA
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                         – Cala-te, abelhudo. Foi uma injustiça. Se os meus olhos a não tivessem
                  visto, não acreditaria nela. Tão delicada é quem a praticou que chego mesmo a
                  supor não ter havido propósito no desastre!
                         – Olha que a ingenuidade faz mal ao apetite, a acreditar no exemplo das
                  ingênuas...

                         Vamos nós à sopa, que cheira melhor que a tua intriga...

                         – Vamos.
                         – O Assunção fez-se lívido. Reparaste-lhe para o rosto? Não reparaste: tu
                  estavas contemplando a tua alma! Não há nada como ser espectador... Vi tudo e
                  cresceu-me a admiração por tua sogra... foi transparente! Se amas a outra terás de
                  lutar com esta. Sapristi! Quando as mães...
                         – Estás doido! Eu amo lá a outra! Eu nem a vejo! Dou-te a minha palavra de
                  honra, que nem a conheço!

                         Caldas contemplava-o espantadíssimo, repetindo:


                         – Sério? Sério?!
                         – Já te dei a minha palavra de honra. Que mais queres?
                         – Não quero mais nada, filho, estou entusiasmado! Basta-me o espanto, que
                  é dos maiores que tenho tido em minha vida. É adorável!

                         Glória, já risonha, veio puxá-los para a mesa, que o avô enfeitara toda de
                  margaridas brancas. O Dr. Teles discutia política com o barão. A baronesa,
                  afastando-se do padre, com quem conversava, designou o lugar a cada um dos
                  convivas e sentou-se à cabeceira.



                  Capítulo XI

                         A casa do Dr. Pedrosa era uma das mais antigas da rua Senador Vergueiro. À
                  sua fachada, de velho estilo português, a vaidade do dono mandara adicionar uma
                  cimalha, que encobria as telhas aldeãs com os seus floreados medalhões de
                  estuque e dois torreões laterais, ligados ao corpo central por passadiços
                  envidraçados, de caixilhos miúdos. Dentro de um vasto jardim, fechado por gradil
                  prateado, essa residência ficava meio encoberta da rua por dois misericordiosos
                  tamarineiros, altos e frondosíssimos.
                         Num dos torreões fazia o senhor ministro o seu gabinete de trabalho. O outro,
                  todo esteirado e guarnecido de caquemonos, era chamado em casa o "pavilhão
                  japonês", e destinado a Sinhá, que aí recebia as amigas e pintava as suas tímidas
                  aquarelas.
                         Era noite de recepção e a Pedrosa embarafustou pelo quarto da filha.

                         – Estás pronta?
                         – Sim, mamãe.
                         – Que! de azul?! Não! muda de vestido. Branco, branco! Trouxe-te os meus
                  brincos de pérolas. Toda de branco, só com estas duas pérolas nas orelhas, ficarás
                  melhor. Como uma noiva...


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