Page 54 - 2M A INTRUSA
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                  que me conheço sou assim... atilada e corajosa. Quando me casei, teu pai não
                  passava de um advogado pobre... Quem o lançou na política? Fui eu. Quem
                  trabalhou para sua eleição de deputado e que maior número de votos alcançou? Fui
                  eu. Quem o levou pela primeira vez ao paço de Suas Majestades? Fui eu, e tinha
                  apenas vinte e dois anos!... Quem, depois de proclamada a República, o persuadiu
                  de aderir e lhe arranjou uma cadeira no Senado? Eu. Quem o fez ministro agora?
                  Eu. Eu sempre, servindo-me destas estratégias, aproveitando todas as ocasiões e
                  todas as simpatias, obsequiando um dia para insinuar no outro uma proteção que
                  parecesse vir espontaneamente; realçando os méritos de teu pai, quer de espírito
                  quer de coração, seguindo-o como um cão de caça segue o caçador, através de
                  todos os perigos, corajosamente.
                         – Se o papai não tivesse qualidades extraordinárias, a senhora, por mais que
                  fizesse, nada alcançaria!... – interrompeu Sinhá, defendendo os brios paternos.
                         – Ah! eu não havia de ser tão tola que me casasse com insignificante. Casei
                  por amor, mas também por ver em teu pai um homem de altas tendências. As
                  mulheres são mais ambiciosas e mais ativas. Homem que casar com mulher
                  acomodada, está perdido. É outra máxima das minhas. Toma nota.
                         – Homem que se casar com mulher acomodada... – repetiu Sinhá, quando a
                  mãe continuou:
                         – Já minha avó era assim. Casou todas as filhas com quem muito bem quis.
                  Os homens com herdeiras ricas, as filhas com senadores e conselheiros...
                         – Com homens velhos...
                         – Homens de posição. Que vale a mocidade sem dinheiro e sem brilho?
                         – Oh! mamãe...
                         – Não vale nada!
                         – Papai era moço...
                         – Nem tanto... Em todo o caso, maridos querem-se como frutos: maduros.
                  Teu pai era de família distinta, excelentemente relacionado; percebi logo muito bem
                  que seria feliz. E, efetivamente, ele tem sabido deixar-se levar.
                         – Por quem?!
                         – Que pergunta! Pelas circunstâncias... e por mim! Olha que saber levar
                  alguém a um destino desejado, sem que nem mesmo esse alguém perceba que vai
                  sendo impelido por mãos alheias... é uma grande arte! É a minha. Mas, credo! em
                  que disparada nos leva o João!... isto cansa os animais!
                         – Leva-nos sem arte... – disse a Sinhá, sorrindo.


                         Ela tinha agora a fronte velada por uma sombra de tristeza. O vestido escuro,
                  abotoado até o queixo, fazia-lhe ressaltar a palidez do rosto emoldurado por dois
                  ondeados bandós pretos.


                         – A casa do Argemiro não deve estar longe... Aí está o Argemiro! já não é
                  muito moço... os cabelos começam a pintar. Entretanto, conheces algum rapaz mais
                  distinto?!

                         Sinhá não respondeu. A mãe, depois de ter esperado um pouco, continuou:


                         – Ele fará a tua felicidade. É dos tais que precisam de ser estimulados...
                  Tendo tantos recursos, não se serve de nenhum! Nem deputado é.
                         – A eterna mania da política...


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