Page 45 - 2M A INTRUSA
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mulher, como amei a minha... O ciúme dela criou tantos fantasmas que eu mesmo
acabei por temê-los!
– Pois foi para espantar um desses fantasmas, que tua sogra me chamou
ontem. Jantei lá em cima.
– Sim?! E Glória? como a achaste?
– Perfeita, isto é, perfeita quanto ao físico. Parece uma maçã madura. Até a
pele lhe cheira a fruta! Mas escuta: a baronesa, como toda a gente, menos eu,
desconfia que tens pela tua governanta uma adoração menos espiritual.
– Já me tardava, o ciúme! Maria vive naquele coração como no meu!
– Folgo que a compreendas e a desculpes... que tencionas fazer?
– Nada. Afirma-lhe tu que não existe ligação absolutamente entre essa pobre
moça (que conheces muito melhor do que eu) e o viúvo da filha...
– Já afirmei.
– E então?
– Não se contentou...
– Achas então que devo despedir esta senhora, que me torna a vida
agradável, fácil e boa, só por um capricho da minha sogra?
– Acho.
– Ora! isso é levar muito longe a minha afeição filial!
– É uma medida de prudência...
– Mas se eu já te disse que estamos na mesma casa e é como se
morássemos a cem léguas um do outro! De que cor são os seus olhos? nem sei.
Dize a minha sogra que farei tudo por ela, menos isso... Com o governo da minha
casa ninguém tem nada que ver. Nada! Lê a caderneta, que é melhor. Verifica como
tudo isso está em ordem, direitinho... Nem um guarda-livros!
– Não digo que não. Amanhã terei de ir falar com tua sogra, a respeito de um
lugar que arranjei no Asilo, para uma criança sua protegida. Desejaria levar-te em
minha companhia. Há algum tempo que não apareces por lá. Ela adora-te. Farás
bem em sossegá-la... Por hoje basta sobre o assunto. És ainda moço, Argemiro, e o
tempo fará o milagre que desejas... Temos outra conversa de interesse: terás
porventura entre as jóias de tua mulher algum alfinetinho, ou broche, não sei bem
como se chama, que possas levar à nossa Glória? Ela deu bem as suas lições,
segundo me disse o avô, e seria justo recompensá-la. Para incitamento, prometi-lhe
que lhe levaria uma lembrança que tivesse pertencido à mãe... Sobretudo, é naquele
coração que se deve cultivar a adoração dela... Contraria-te a idéia?
– Não será cedo para dar jóias a minha filha?
– Conforme a jóia; vamos ver... onde as tens?
– No cofre. Espera... ou antes, vem comigo.
Entraram para um gabinete contíguo e enquanto Argemiro escolhia a chave
do cofre, Assunção estremeceu à idéia de poderem verificar um roubo...
Feliciano vira no peito de Alice um alfinete de Maria... a baronesa o dissera.
Logo, se as jóias faltassem...
Era uma andorinha de pedras...
Senhor! Uma minúscula andorinha de pedras teria o poder de fazer tremer um
homem?!
A chave rangeu na porta do cofre e Argemiro tirou de dentro uma caixa de
cetim branco, amarelecido, que levou para cima da mesa.
– Há quanto tempo não mexo nisto! Faz-me saudades... Escolhe tu...
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