Page 49 - 2M A INTRUSA
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Seria isso um cálculo, uma impostura? Especularia ela, servindo-se da filha
para entrar no domínio do pai? Afinal, que se sabia dela? Que pertencia a uma boa
família descaída da fortuna e que passava por uma moça honesta...
Em boas famílias quantos maus germes existem e quantas mulheres
honestas maquinam tramas infernais! O confessionário ensinara-lhe que o bem e o
mal nascem da mesma fonte sempre inconstante e fértil...
A família... Seria certo o que a baronesa lhe insinuara? Dissera que uma
récua de famintos ia tirar aos criados de Argemiro os pedaços que lhes competiam...
A que horas? Como? Deveria também indagar disso?! Por que não, se esse
era um meio de conhecer a mulher com quem talvez tivesse de lutar?
E uma triste simpatia atraía-o logo para a pobre governanta, sempre bem
arranjadinha nos seus vestidos surrados, sempre sorridente e sempre simples.
– O senhor também parece mudo! – disse Maria, rindo.
– Estava pensando cá numas coisas...
– Eu também.
– Em que pensavas?
– Em D. Alice.
– Ah... e quais eram as tuas conclusões?
– Que é muito boa moça.
– A razão deve estar contigo.
– Eu queria que vovó gostasse dela...
– Há de gostar.
– Hum...
– Mais tarde; dá tempo ao tempo.
– Por que é que o papai não quer ver D. Alice?
– Oh, filha, é... é porque teu pai... receia avivar as saudades de tua mãe...
"Já me tardava esta pergunta" – disse ele de si para si.
– Não entendo...
– Tua mãe não era a dona da casa?
– Era.
– D. Alice não está desempenhando o papel de dona de casa?
– Ah, mas não é mulher dele!
– Ah!...
– Nem come à mesa, nem aparece às visitas... é, afinal, uma espécie de
criada!
– Não. Ela governa os criados. É diferente...
– Tenho pena dela. Agora tenho pena dela...
– Agora?
– Antes não tinha... tinha raiva.
– Mas... por quê? ela queixou-se?
– Não... não sei porque! mas acho aquilo esquisito! Mal sente os passos do
papai, zás! foge! chega a ser engraçado!
"Realmente, é uma situação de comédia" – pensou Assunção, rindo
involuntariamente com Maria.
E a situação prolongava-se. Argemiro, cada vez mais caseiro, não lobrigava
nem a pontinha da saia de Alice, a quem, de resto, resolvera definitiva e
absolutamente evitar, contente por sentir a influência dela, não só no seu lar como
na sua filha. Maria aproveitava sempre as segundas-feiras em passeios, uma vez no
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