Page 42 - 2M A INTRUSA
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E os olhos encheram-se-lhe de pranto.
– Lágrimas, aí temos lágrimas! Mas, querida, repara que a nossa Glória não
ofendeu em nada a memória da mãe e lembra-te também de que, se for verdade o
que pensas, o Argemiro é rapaz, não pode guardar a castidade de uma menina...
Que mais queres? Amou a nossa filha, fê-la feliz durante a vida e isso basta para lhe
sermos muitíssimos gratos.
– Que favor!
– Se ela vivesse, estou certo de que ele lhe seria fiel... mas dela já não resta
senão a memória. Os homens são vários, não exijas deles virtudes que não podem
ter...
Almas imaculadas só as das mães.
– Para mim, Maria existe, sinto-a tão viva na minha saudade, que traí-la me
parece uma profanação!
– Exatamente, porque és mãe.
– Não achas também indigno que ele dê as jóias da mulher a uma rapariga de
maus costumes e que meteu em casa, precisamente na casa onde viveu a outra e
que está ainda toda cheia dela?
– Parece-te a ti. Ele, o viúvo, deve ter sentido o isolamento daquela casa,
onde por nove anos viveu sozinho! Nove anos não são nove dias. Outro fosse ele...
De mais a mais no Rio de Janeiro, que é a terra da tentação!
– Defendes o Argemiro!
– Tu havias de compreendê-lo e dar-lhe razão se...
– Se eu fosse homem...
– Ou se não fosse mãe de Maria...
– Maria! Acredita, ela renasce todos os dias, sinto muitas vezes o peso dela
sobre os meus joelhos, ou dos meus braços, como quando a adormecia... Vejo-a
desde pequenina, e de quando andava por aí correndo com o seu bibi branco e o
cabelo solto, lembras-te? Tão linda! até depois, já mocinha... e sempre, sempre,
tenho-a comigo, só comigo! Às vezes sinto nos dedos a seda dos seus cabelos tão
finos e no rosto a doçura dos seus beijos... Sei que é ilusão, mas quem nos diz que
no mundo não seja tudo ilusão?
A alma perfeita e amorosa de Maria não está longe de nós, mesmo que esteja
no céu. É a minha convicção.
– Uma alma perfeita perdoa todas as ofensas.
– Mas sofre. Imagina a dor, se do outro mundo ela vê o marido pregar
amorosamente as suas jóias ao peito de outra mulher, e que mulher, uma
mercenária! Maria foi ciumenta... Argemiro foi o seu único amor!
– Está bem; mas não acredites que ele tenha dado as jóias da mulher à
outra...
– O Feliciano viu.
– O Feliciano é um despeitado.
– Quando te parece, és cego e és surdo!
– Todos devem sê-lo, em certas ocasiões!
– A tua opinião é talvez que me cale!
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