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                  Capítulo VIII

                         Provada a intriga do Feliciano, recomeçaram as visitas de                Glória às
                  Laranjeiras. A baronesa exigira segredo do que se passara, desejosa de que
                  Argemiro conservasse em casa o criado, que já o fora da filha. De resto, ela estava
                  intimamente convencida de que o negro não mentira, mas se enganara. Convinha-
                  lhe tê-lo de guarda naquele lar em ruínas, como se à sua voz de alarme ela pudesse
                  correr e ainda salvar alguma coisa!
                         A verdade, que percebia sem a confessar, é que a neta lucrava muito na
                  convivência de Alice. Ela perdia aos poucos aqueles modos agressivos de criança
                  malcriada, começava a interessar-se pela vida e a abrir os livros com mais
                  freqüência. E já não lhe bastavam as visitas curtas, do sábado para o domingo;
                  desejava estendê-las agora até as segundas-feiras, cujas manhãs aproveitaria em
                  passeios com a governanta do pai.
                         A baronesa protestou indignada:


                         – Mais essa! andar uma menina de boa família colada às saias encardidas de
                  uma mulher suspeita, por essas ruas da cidade! Não faltava mais nada...


                         Padre Assunção interveio:

                         – Consinta na primeira experiência. D. Alice parece-me severa e digna de
                  toda a confiança. Confesso-lhe que sinto uma certa curiosidade pela direção que ela
                  vai dando aos gostos da nossa Maria... Prometo velar pela sua neta.
                         – Ah! Padre Assunção, a República estragou a nossa terra! Agora qualquer
                  criatura parece digna de toda a confiança... Quem nos dirá quais as intenções
                  daquela criatura? Por mim tenho medo, apesar da sua vigilância...

                         Glória zangou-se e fugia, aos repelões, dos braços da avó. Não haveria
                  remédio senão ceder à vontade da criança, e a baronesa cedeu, molestada,
                  enfraquecida.
                         Na primeira segunda-feira o padre Assunção recebeu muito cedo uma
                  cartinha da baronesa:
                         "Glória está nas Laranjeiras; é hoje o dia determinado para o seu passeio.
                  Confio-a à sua guarda; olhe por ela. – Luiza".
                         Assunção telegrafou a Alice. Esperá-la-ia no largo do Machado, às três horas.
                  Logo que Maria deparou com o seu grande amigo sentado sozinho em frente à
                  estátua, correu alegremente para ele e, afogueada, risonha, abraçou-o com força.
                  Ele mal teve tempo de interrogá-la e já ela, revelando uma piedade até então oculta
                  no mais fundo do seu peito, lhe contou o que vira, toda entusiasmada. Vinha do
                  Instituto dos Surdos-Mudos.


                         – Ah, padre Assunção, eu não sabia que havia gente assim, fechada dentro
                  de si mesma, como me explicou D. Alice. Que desgraçados seriam se não houvesse
                  aquela casa tão boa, onde eles conseguem aprender tudo, como os homens
                  perfeitos! Como a gente tem vontade de ser boa, quando vê coisas dessas!

                         E, trêmula, loquaz, desatou a descrever as aulas, as oficinas, os dormitórios
                  do estabelecimento, e os grupos de alunos, risonhos, limpos, sossegados...


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