Page 38 - 2M A INTRUSA
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Saíram, e ainda por alguns minutos vagou na atmosfera o aroma delas.
Argemiro pôs-se a remexer nos seus papéis, pensando:
"E haver quem se case assim, pescado, pescado como um peixe! Não seria
mais digno que a Pedrosa viesse a mim e dissesse: minha filha ama-o desde a
primeira vez que o viu; o senhor convém-me para genro; quer casar com ela?"
Ele mesmo se riu da idéia. Essa inocência de costumes só passaria pela
cabeça de um doido; e de mais pô-lo-ia em embaraços. Que responderia ele à
coitadinha?
Daí, talvez que tudo fosse veleidade sua. Os seus cabelos começavam a
estriar-se de branco e Sinhá deveria ter ideais moços... Fora com certeza ilusão...
Não lhe faltariam a ela, bonitinha e moça, bons partidos. Todavia...
Apoderou-se dele uma doce tristeza. Não poderia amar nunca mais! Nunca
mais? Fora tamanho o encanto da sua Maria, que nenhuma outra mulher tivesse
jamais o poder de o emocionar?
Nenhuma! Ela perdurava no seu espírito como o conjunto de todas as
perfeições. A sua figura esguia e branca, que a cabeleira aureolava de ouro pálido,
plantara-se no seu coração como uma sentinela pronta a repelir a invasão de um
sentimento amoroso, por mais leve e sutil que ele fosse.
O contínuo voltou, anunciando novo constituinte.
Nas suas tocas os ratos faziam provisão de assuntos para os comentários da
noite, nos livres passeios das salas e corredores... e o novo consultor fornecer-lhe-ia
matéria para irônicas conclusões: era um velho que procurava salvaguardar os
direitos da sua casa de jogo encapado em disfarces, com que espoliava incautos e
viciosos. Argemiro indicou um colega mais hábil no assunto. O outro saiu, ele pôs-se
a ler, à espera do Caldas para um negócio de valor.
Razão tinham aquelas paredes para parecerem desgostosas e estarem
enxovalhadas.
Capítulo VI
Desde que fora entregue aos avós, era a primeira vez que Maria da Glória
dormia fora de casa. A baronesa morria de impaciência por vê-la voltar; à tristeza da
ausência juntava-se um cuidado que a punha doente. Que teria sucedido à sua
netinha, longe do seu carinho e da sua vigilância? Se ela chegasse com febre! Que
idéia maldita a de tirarem a criança dali, para a meterem na cidade, por uma noite
inteira!
Mas a Maria chegou alegre. Saltou do carro sobraçando um grande embrulho
de pastéis.
A baronesa estendeu-lhe os braços, com os olhos luzindo de alegria.
– Vem, meu amor! Eu estava com tantas saudades! Coitadinha...
– Coitadinha por quê, vovó?! Eu estou boa. Gostei muito!
– Ah, gostaste muito... Então não tiveste saudades minhas...
– Tive, mas gostei. Tome estes pastéis, são muito bons!
– Eu também tenho um doce guardado para ti.
– Onde está?
– Depois... escuta, conta-me o que fizeste.
– Passeei com papai, toquei, brinquei... já disse: gostei muito!
– E...
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