Page 33 - 2M A INTRUSA
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ciúmes do marido, e, entretanto, não dou um passo em que não sinta a sua
vigilância! A alma da filha parece ter se encarnado nela, e é essa talvez a atração
poderosa que me chama a si... mas esse excesso de zelos vai estragar-me a
pequena... Não imaginas o gesto de revolta que ela fazia no momento em que
entraste, só porque eu prestigiava a governanta! E agora?!
– Agora vais sair por umas duas horas, e eu ficarei seroando com a nossa
Maria e a tal senhora. Quero vê-las ambas reunidas; não fazes obra acertada
atirando tua filha, muito selvagem mas muito inocente, para os braços de uma
criatura que tu não conheces... convém estudá-la...
– Mas, homem de Deus! não me trouxeste, tu mesmo, as melhores
informações dessa tal senhora?
– Sim... disseram-me que é uma moça honesta... de boa família... pobre...
saúde de ferro... Foi o que me disseram; mas isso bastará? Para governar teus
criados, sim; para captar Maria e conviver, mesmo que por poucas horas, com ela...
não!
– Neste caso voltamos à mesma. Despeço a mulherzinha e nunca mais
tornarei a ter a minha filha aqui, comigo, só comigo, livre um bocadinho daquela
atmosfera da chácara, que a faz tão malcriada... tão aborrecida e até antipática.
Acabou-se.
– Nada acabou; tudo começa agora. Foste sempre prejudicado pela tua
impaciência, homem! É tempo de te corrigires. Vai passear. Dizem que há bonitas
coisas aí pelos teatros... resigna-se a perder um pouco do teu tempo indo ver
qualquer delas... Aí tens o jornal, escolhe.
– Não tenho pachorra...
– Eu iria a uma mágica. Contam maravilhas desta – Fada Azul...
– És um homem inocente!
– Sou padre... mas se te não diverte a mágica, vai a outra parte, mas vai! Que
diabo!
Lembro-te tão bom alvitre e ainda vacilas!
– Vais aborrecer-te...
– Menos do que tu...
– É possível...
– É certo. O teu chapéu está ali... queres que te procure a bengala?!
– Parece-te que estou à espera que me dês com ela no lombo para então
sair?
– Já me lembrei disso...
– Se não fosses padre...
– Não proporia zelar tua filha com tamanho interesse...
– Por quê?!
– Porque seria provável que estivesse velando pela minha...
Argemiro levantou os olhos para o padre Assunção, com uma pontinha de
espanto, e mal lhe percebeu nos lábios finos um fio sutil de irônica amargura.
– Está bem; cedo-te por instantes o meu lugar e dir-me-ás depois se ele vale
a solidão a que te condenaste!...
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