Page 36 - 2M A INTRUSA
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como a querer tomar contas do que se passasse; e a sua morrinha vagava na casa,
de frente a fundo, enchendo-a como uma alma.
O constituinte de Argemiro voltava ao princípio da sua exposição; temia ter
esquecido algum detalhe precioso, e a consulta era cara... Foi num desses pontos
de repetição que o criado apresentou ao advogado um cartão da Pedrosa.
– A mulher do ministro!
Argemiro abotoou o colete de fustão e prometeu ao homenzinho que faria
tudo por ele, mas que se fosse embora!...
O outro atropelou as últimas perguntas e marcou nova entrevista.
Através da meia parede de tabique ouvia-se, na sala próxima, o frou-frou das
sedas abafadas em lãs e um sussurro de vozes femininas. Logo, a Pedrosa não
viera só... Argemiro não a via desde a noite em que fora cumprimentar o marido pela
sua nomeação. Que a traria ali?
O aroma do Bouton d’or introduzia-se pelas frinchas das portas, invadindo
tudo, soberanamente.
Argemiro considerou aquele aroma como muito indiscreto, mas gostou.
A Pedrosa afinal... Ora, com que então estava no seu escritório a mulher do
ministro!... ele ajeitou o nó da gravata e foi recebê-la à porta. Ela entrou logo, com o
olhar repreensivo, o busto empertigado e um sorriso amigo na boca descorada.
Atrás dela vinha a filha, muito espigada, mais alta que a mãe, com um arzinho
petulante no rosto claro, de feições miúdas.
– Seu mau! então é preciso que a gente o venha ver aqui?!
– Oh, minha senhora...
– Não se desculpe, nem me agradeça a visita.
Daí rompeu a falar, queixando-se de não ter o marido um minuto de descanso
que lhe permitisse tratar dos seus negócios particulares, vendo-se ela na
contingência de intervir, como fazia agora, a contragosto... Ia consultar o advogado e
o amigo...
Argemiro agradeceu.
Enquanto a Pedrosa remexia na sua bolsinha de camurça, procurando um
documento qualquer, o advogado olhou para a Sinhá, que não desviava o olhar de
cima dele, numa expressão perturbadora, de mulher amorosa.
"Diabo!" – pensou ele consigo.
A consulta representava um pretexto. O negócio dispensaria a intervenção do
advogado; todavia, a Pedrosa parecia não se importar de passar por estúpida;
repetia as perguntas com uma dificuldade de compreensão que dava tempo à filha
de espichar a alma pelos olhos afora.
Mas o coração do viúvo parecia fechado a sete chaves e duro como uma
pedra. Sinhá levantou-se, deu um giro pelo escritório, riu, falou, interrompeu a mãe e
sentou-se depois mais perto de Argemiro, deixando-lhe cair de encontro a um joelho,
por descuido, a sua linda sombrinha de seda e rendas brancas.
Como o assunto da consulta já não desse de si, a Pedrosa embarafustou por
outras portas: as últimas récitas do Lírico, o jantar do presidente, o casamento do
Ângelo Barros... aquele Ângelo que dizia ter feito também o juramento de ficar
solteirão!
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