Page 31 - 2M A INTRUSA
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Argemiro não cessava de olhar para a filha, num embevecimento de noivo,
muito solícito em servi-la, provocando-lhe as expansões, com uma alegria de moço.
Ela percebia a adoração e abusava, ora rindo, ora franzindo o narizinho aos pratos
que o Feliciano lhe apresentava.
Entre as peças da baixela figurava nesse dia na mesa do jantar um
candelabro de prata fosca, que Argemiro reconheceu com dificuldade, tal era o
tempo em que esse objeto vivera segregado no fundo escuro de um armário. Na
verdade, Alice caprichara em adornar a mesa! Seria uma homenagem a esse jantar
de festa, só de dois talheres, para um homem quase velho, e uma menina quase
moça?
Quando o Feliciano oferecia a Glória uma fatia de coelho assado, ela
exclamou, batendo com o cabo do garfo na mesa:
– D. Fuas morreu, papai!
Argemiro contemplou-a com espanto; mas desatou logo a rir diante da
expressão de seriedade quase cômica da filha.
– O teu gato?
– O meu coelho branco... Todas as manhãs, quando me levantava, a primeira
coisa que eu fazia era correr para o pátio da criação... D. Fuas conhecia-me e vinha
para mim... eu levava sempre muita couve para ele, e gostava de ver aquele
focinhinho, toca que toca, mastigando a verdura... Ontem desci, e nada de D. Fuas!
Procura para aqui, procura para ali, e fomos achar o coitado debaixo da paineira,
todo esticadinho, e ainda mais branco porque estava cobertinho de paina... Então eu
e a Emília fizemos uma cova, forramos a terra com a paina limpinha, deitamos ali D.
Fuas, tornamos a cobri-lo com paina, depois com terra, e acabou-se!
– Choraste?
– ... Chorei... mas vovô prometeu-me outro!
– À saúde do outro que há de vir e que te consolará!
Argemiro bebeu convictamente à saúde do coelho, como se o fizera à saúde
de uma ilustre personagem. Como ele adorava e era grato a tudo o que alegrasse a
vida da sua Gloriazinha!
Ouvia-a com tal interesse, que a chama infantil dos olhos dela ateava-lhe na
alma curiosidades de criança, também. Eram dois meninos à mesa, àquela mesa
que Alice enfeitara como para um noivado.
Passaram então a discutir as qualidades dos animais prediletos.
Argemiro elogiou os gatos. Glória repelia-os; preferia os cães e cães de fila,
que mordessem os outros e a adorassem a ela! Confessou ter muito desejo de ver
leões e elefantes. Contou que uma onça, fugida do Jardim Zoológico, andara
rondando a chácara; mas que, visse o pai que esquisitice! ela só lembrava de temer
a fera à hora de ir para a cama, quando estava toda a casa fechada... De dia não;
corria pela horta, pelo pomar... Mas à noite!...
– És medrosa?
Ela fez notar ao pai, com um olhar, o Feliciano.
"Que mulherzinha!" – pensou Argemiro; e riu-se. Embora quisesse, ele não
pôde prolongar a demora na mesa; Glória ardia de impaciência; comera muito
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