Page 32 - 2M A INTRUSA
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depressa, com a idéia de andar pela casa toda, a sua casa, que ela dentro de
poucos anos governaria... E relanceou um olhar de domínio em redor de si.
– Bem, meu amor, gira um pouco pela casa e vai depois fazer companhia à D.
Alice...
Feliciano informou:
– Ela está jantando.
– Ela janta na cozinha? – perguntou Glória, no tom mais natural do mundo.
– Não, filha; ela tem a sua mesa.
– Então cada criado aqui tem a sua mesa? Lá em casa...
Feliciano riu-se. Argemiro atalhou:
– Não digas mais. D. Alice não é uma criada; representa aqui a dona da casa.
– Tal qual como se fosse mamãe?
Feliciano olhou de esguelha para o patrão:
– Tal qual, não: basta dizer que à D. Alice eu não a vejo nunca, e que estava
sempre ao pé de tua mãe; mas para manter a ordem da casa e dirigi-la, é como se
fosse.
O ciúme da avó relampejava agora nos olhos da neta. Glória olhava para o
pai numa atitude de desafio.
Toda ela crescera em um instante, como se a raiva a insuflara; e no momento
mesmo em que ia formular um protesto, que lhe custava a articular, o padre
Assunção entrou na sala, dando risonhamente as boas-noites.
Argemiro despegou vagarosamente os olhos da filha e ficou por um bocado
alheio a tudo o mais, sem responder aos cumprimentos do amigo.
– Que tens tu?! – perguntou-lhe o padre, que lhe pousou no ombro a mão
espalmada, depois de ter abraçado a menina.
– Nada... Chegas a propósito; vem ao meu escritório. Glória, vai tocar um
pouco; experimenta o teu piano, enquanto D. Alice acaba de jantar.
– Eu não preciso dela!... – resmungou a menina, dirigindo-se para a sala.
– Ouviste? Eu não preciso dela! A prevenção da minha sogra imbuiu no
espírito de minha filha uma antipatia medonha por esta pobre moça que tenho em
casa e que ainda verdadeiramente nenhum de nós conhece! Ora, eu preciso de uma
mulher em casa, exatamente para poder chamar minha filha a mim, e gozar, embora
fortuitamente, a sua companhia; e vem-me a criança cheia de azedumes e idéias
preconcebidas contra a única pessoa a quem posso confiá-la! Como há de ser?
– Fazer com que se estimem.
– Mas como?! Sem convivência, e com más insinuações... não há amizade
possível.
A minha filha tem ciúmes! Herdou o tormento da mãe, que tão bem
conheceste, e o único defeito da avó... isto é, herdaram ambas, dela, o mesmo
sentimento, porque só são ciumentas de mim! Minha sogra confessa nunca ter tido
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