Page 28 - 2M A INTRUSA
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Capítulo IV
Num belo sábado, o Barão do Cerro Alegre trouxe a neta à cidade e foi depô-
la no escritório do pai, que a esperava, já impaciente. O velho não se demorou; tinha
horror às ruas abafadas e às feias salas dos escritórios. Mostrava-se mesmo
apressado em se desembaraçar da incumbência, temendo ser cúmplice em algum
desastre que acontecesse a Maria, que via cercada de perigos, sempre que saía da
sua chácara. Ainda assim, não se pôde conter e recomendou ao genro:
– Dizem que por aí há muitas febres... é preciso ter prudência! A avó pede-lhe
que não deixe a Maria comer doces na confeitaria. Ela pode abusar, é gulosa...
– Vá descansado; e obrigado!
Enquanto Argemiro despachava uns papéis, Maria ora se debruçava na
sacada, ora remexia todo o escritório do pai.
Mas Argemiro tinha pressa também de atravessar as ruas com a sua
Gloriazinha pela mão, e abreviou o trabalho. Saíram; e as recomendações dos
pobres velhos foram absolutamente esquecidas...
Maria da Glória agarrou-se ao pai, atordoada com o burburinho do povo com
que ia esbarrando; aquilo alvoroçava-a sem diverti-la, mas a pouco e pouco, a cada
paragem para uma conversa de minutos, em que os amigos do papai lhe beijavam a
mão, como a uma princesa, acordava nela uma curiosidade estranha por esta vida
da cidade, tão embaraçada de enleios. Queria ver tudo, retinha Argemiro em frente
das vitrines, embarafustava pelas lojas; e como via em exposição muitas coisas que
não tivera nunca, exigia-as do pai, que, dócil como a cera mole, ia comprando tudo,
sentindo-se ainda feliz por satisfazer assim a sua Maria, só dele, nesse sábado
bendito.
Quando chegaram às Laranjeiras, o pai subiu logo para o seu quarto e
recomendou a Glória que esperasse na sala Alice Galba, a quem mandou avisar,
pelo Feliciano, que viesse receber a menina.
Maria recostou-se no sofá, esmagando no estofo as papoilas do seu chapéu à
jardineira. A antipatia da avó sugerira-lhe instintiva repugnância por essa intrusa,
como chamavam lá em casa a governanta das Laranjeiras. Ah, mas Glória tinha o
seu plano, não deixaria que a outra tomasse confiança consigo. Uma alugada, uma
mercenária!
E dava-se ares de grande dama, muito atirada sobre os almofadões de
pelúcia, com uma expressão de desprezo afeiando-lhe a boca e as suas faces
rosadas, de criança. Realmente aquela atitude não era agradável, o chapéu
sobretudo incomodava-a mortalmente, e sentia enterrar-se-lhe nas costas, como um
castigo, a ponta de um alfinete. Suportou o sacrifício heroicamente, até que viu
entrar na sala, com o modo mais simples e desembaraçado do mundo, uma moça,
nem bonita nem feia, vestida de cinzento, com aventalzinho preto e um molho de
chaves pendentes da cintura.
Glória empertigou-se mais. Alice aproximou-se dela sorrindo e estendeu-lhe
as mãos, duas mãos muito brancas e longas. Glória levantou-se, sem se dignar
tocar nessas mãos, e disse com aspereza:
– Quero ver o meu quarto.
Alice contemplou-a com tristeza e curiosidade; depois, voltando as costas:
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