Page 27 - 2M A INTRUSA
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                         – Oh! papai! – exclamou Glória, atirando-se de encontro ao peito de Argemiro,
                  lacrimejante.
                         – O que me vale é que tens bom coração...

                         Durante a viagem de regresso, Argemiro e Caldas falaram pouco. Um
                  pensava na família, o outro em negócios. Foi já quase no fim que Argemiro
                  desabafou:

                         – Preciso tomar uma resolução séria a respeito de minha filha. Viste bem
                  como a educam? O avô não sabe ser severo; a avó prejudica-a pelo seu excesso de
                  amor, e a menina cresce cheia de vontades e à lei da natureza! Se falo em colégio,
                  arrepiam-se; se falo em trazê-la para mim...
                         – Estás doido? tê-la contigo, como? Olha que eu não quis nem podia intervir
                  naquela cena de família; mas a tua sogra tem razão. Que diabo! uma mulher,
                  arranjada por anúncio, pode lá tomar conta de uma menina que está exatamente na
                  idade mais delicada da mulher! Deixa a pequena com os velhos e arranja-se uma
                  preceptora inglesa ou alemã. Verás o milagre. Vocês custam a atinar com as coisas
                  simples!

                         São uns complicados...


                         – Talvez tenhas razão...
                         – Por força. Eis-nos chegados. Aparece amanhã na Câmara, às duas horas; o
                  Teles vai soltar o verbo. Não faltes.


                         Argemiro chegou a casa muito fatigado e entrou para o seu quarto. Estranhou
                  logo ao princípio qualquer coisa que não pôde determinar o que fosse, mas que o
                  impressionou bem. Ao pendurar a roupa no cabide de pé, viu que o tinham aliviado
                  do grande peso de ternos de casimira, que o Feliciano deixava acumulado ali
                  semanas e semanas, por preguiça de os escovar e guardar. Enfiando o robe-de-
                  chambre, notou que lhe tinham pregado um botão que lhe faltava. E pensou:
                  "Realmente, só as mulheres sabem governar bem uma casa..."
                         Sentou-se ao lado de uma mesa a ler um jornal, mas a folha descaiu-lhe das
                  mãos e ele pôs-se a olhar para um retrato da mulher, suspenso em um
                  cavaletezinho de prata fosca. A saudade da sua morta revivia todas as vezes que
                  vinha de ver a filha; sentia-lhe a falta então, poderosamente. Se ela vivesse! Ah, se
                  ela vivesse correria tudo suavemente!
                         Argemiro levantou o retrato e contemplou-o de perto. Quantas vezes beijara
                  aquela fronte larga e pálida, emoldurada por cabelos loiros, que tão mal se
                  adivinhavam na fotografia! Que pena não ter Glória herdado a finura daquelas
                  feições, tão bem delineadas, tão puras, nem a doçura daquele caráter, que só o
                  ciúme conseguia agitar. Pobre ciumenta, quantas torturas inventara para seu
                  martírio! Que imaginação a dela para criar fantasmas de amores...
                         Argemiro cerrou os olhos, depondo o retrato sobre a mesa; e calculou: se ela
                  fosse viva estaria agora com trinta e dois anos... teríamos um rancho de filhos... um
                  rapaz... Tanto desejei um rapaz!... e Maria teria outra educação... Pobre da minha
                  filha, foi a sacrificada!...





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