Page 26 - 2M A INTRUSA
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tomaria levianamente uma mulher, a quem, embora por poucas horas, terei de
confiar minha filha.
– Eu preferiria que você desmanchasse a casa e viesse morar conosco... não
sei o que parece ir uma mulher estranha para o lugar de... minha filha...
– Oh, mamãe, que lembrança! A senhora repare que esta é uma mulher
mercenária, uma alugada, pouco mais do que criada, não passa disso... O lugar de
Maria é insubstituível no meu coração, bem o sabe, melhor que ninguém. Quanto a
eu morar aqui, isso é absurdo; preciso viver na cidade: os meus negócios não me
permitem este luxo do campo... Agora só lhe peço uma coisa: tomar esta minha
resolução como irremediável e aceitá-la, ao menos, por algum tempo...
Glória assistira a toda a cena com muita atenção. O avô só no final se
lembrou da conveniência de a afastar. Caldas, um pouco constrangido, demorava-se
a descascar a sua laranja, conservando um silêncio discreto, e foi só depois do
jantar que ele pôde convencer o barão a vender as suas terras ao ministro para a
formação da colônia suíça, exploradora dos laticínios.
A baronesa retirou-se para o seu quarto, declarando uma enxaqueca súbita.
Argemiro aproveitou um momento para conversar um bocado com a filha.
– Escuta, meu amor, por que é que tu não modificas esses teus modos de
rapaz? Já estás crescida.
Ela abraçou-o com frenesi pelo pescoço.
– Olha que me amarrotas o colarinho! – disse ele rindo. – Não me respondes?
– Eu não sei!...
– Gostas de ir jantar comigo todos os sábados?
– Se gosto! Havemos de ir ao teatro, sim, papai?
– Ainda é cedo... terás tempo...
– Eu tenho uma vontade doida de ir ao teatro!...
– Irás... irás, se fores boazinha e dócil a teus avós... teu avô queixa-se de que
estudas pouco... não quero isso.
– Não gosto de estudar; não gosto e não quero.
– Não quero?! não quero! então isso é coisa que se diga?!
– É. Eu não quero mesmo! Se o papai soubesse como é aborrecido estudar!
Outro dia fiquei com tanta raiva que até rasguei o livro!
– Oh!
– Que espanto! Olhe, foi assim: vovô lembrou-se de me chamar, exatamente
quando eu ia para a horta ajudar a Emília a apanhar vagens...
– É muito divertido apanhar vagens?
– É mais divertido do que estar sentada ao pé de vovô, na sala, com a pena
na mão ou o livro diante dos olhos! Eu estava lendo e estava pensando na horta,
estava escrevendo e estava pensando na horta, estava fazendo contas e a maldita
horta não me saía da cabeça!... Vovô ralhou comigo; eu não sei que disse e ele
levantou a régua para me dar... vovó entrou, zangou-se com vovô... Saíram os dois,
eu fiquei sozinha... um pouco arrependida... quis estudar... abri o livro, mas não sei o
que é que tinha nos olhos, que não via bem... então, desesperada, rasguei o livro...
– O que tinhas nos olhos eram lágrimas, minha filha, lágrimas de remorso por
teres respondido mal ao teu avô, que te ama tanto, e teres sido causa de outro
desgosto ainda maior...
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