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                         – Isso nunca. Colégios nem para rapazes. São lugares de perdição. O que
                  temos a fazer é interessá-la pelo estudo.
                         – Mas como?
                         – Há de haver um meio... Ó Glória, vai tocar a tua última lição, anda. A
                  professora de música não está descontente...

                         Glória amuou.

                         – Eu não sei nada!
                         – Como não sabes?! Vai tocar!
                         – Não...
                         – Glória!
                         – Não...
                         – Esta menina!

                         Argemiro olhava para a filha com desgosto. A baronesa interveio:


                         – Depois do jantar teremos tempo; ela está com vergonha... manda servir o
                  jantar, Glória; depois tocarás...

                         Glória aproveitou o ensejo e correu para o interior, onde daí a instantes
                  soavam as suas gargalhadas fortes, muito barulhentas.
                         O pai informou-se, voltando-se para o sogro:

                         – Como vai ela na leitura?


                         O velho abanou a cabeça, sorrindo; mas a avó exclamou, dirigindo-se ao
                  Caldas:


                         – Se ela quisesse! Não imagina o talento que aquela menina tem! Aprende
                  tudo com uma facilidade espantosa, de relance! Mas o diabo é que ela não quer! –
                  asseverou o avô, rindo.
                         – Ora! não é tanto assim; o sr. Caldas é capaz de pensar que a nossa Glória
                  é uma analfabeta!
                         – Quase.
                         – Ora, não digas isso! Ela lê... e escreve... e demonstra muito jeito para a
                  música. Afinal, não se educa para doutora nem para professora. No meu tempo não
                  se exigia tanto...
                         – Não é razão. A mulher hoje precisa ser instruída, solidamente instruída,
                  mamãe, e eu quero, eu exijo que minha filha o seja.
                         – Está direito, mas sempre quero saber se o sacrifício do estudo tem
                  compensações verdadeiras! Andar atrás de uma pobre criança o dia inteiro, fazendo-
                  a conjugar verbos e compor e recompor orações gramaticais, atirando-lhe para
                  dentro da cabeça nomes de terras e complicações matemáticas; curvar-lhe a
                  espinha em cima de mapas e linhas geométricas, cansar-lhe a vista antes do tempo,
                  roubando-lhe a liberdade que dá saúde, alegria e ousadia, olhem que não me
                  parece obra de amor nem de caridade! Eu, cá por mim, confesso: fujo da sala de
                  estudo quando vejo meu marido chamar a neta para a lição...
                         – Eu imagino que ele há de ser muito ríspido... – comentou Caldas, sorrindo.


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