Page 16 - 2M A INTRUSA
P. 16
www.nead.unama.br
– Mais uma conta que me esqueci de entregar; estava no fundo do bolso.
– O teu bolso não tem fundo, nunca se pode encher! Que conta é essa?
– Uma conta antiga, de um carro...
Argemiro estava de bom humor. Riu-se. E saiu pensando: "Acabou-se o teu
reinado, ladrão!"
O salão do Lírico estava repleto.
O primeiro ato ia quase no fim.
Agarrados um ao outro, o tenor e a soprano esgoelavam-se em protestos de
amor. O público via aquilo com respeito e certa solenidade. Argemiro levantou os
olhos para o camarote da Pedrosa, que olhava exatamente para ele nesse
momento. No primeiro intervalo subiu a apresentar a essa senhora os seus
respeitos. Ela estendeu-lhe a mão enluvada, segurando-o com domínio, fazendo-o
sentar-se ao pé de si. Pedrosa esquivou-se para o corredor, em conversa com o
conselheiro Isaías e o Dr. Sebrão.
O Pedrosa almejava a pasta da fazenda; andava na ocasião ostentando pelos
jornais grandes artigos financeiros, coalhados de algarismos encarreirados como
formigas por entre a secura sábia da fraseologia. Ah! como esses artigos
espantavam uns e espicaçavam a maledicência de outros, que os atribuíam ao
Benedito Lemos, um boêmio inteligente como o diabo e bêbedo como um gambá.
Ele, o Pedrosa, adulava agora o Sebrão e o conselheiro Isaías, ambos
comensais e amigos do presidente da República.
Era um homem arguto.
A esposa, baixa, trêfega, de um moreno pálido sob o qual se via arder uma
alma ambiciosa, instigava-o a ir ao encontro das posições aparatosas da alta
política.
Vingava-se do Destino a ter feito mulher, conservando-se moça através dos
quarenta anos. Não era bonita, mas a sua expressão de desafio, que agradava aos
homens e irritava as mulheres, tornava-a talvez um tanto original. Gostava de impor
a sua autoridade. Para o Argemiro era de tão carinhoso acolhimento, que ele
trabalhava por penetrar-lhe as intenções.
Conversavam os dois, como se esperassem ambos uma palavra reveladora,
quando entrou no camarote o Benjamim Ramalho, todo teso no seu alto colarinho,
com uma camélia branca na lapela e o cabelo achatado sobre as orelhas pequenas
e redondinhas. A Pedrosa mal disfarçou a sua contrariedade. Benjamim curvava-se
diante dela numa reverência. E depois de sentado:
– Magnífico este primeiro ato. Não gostou?
A Pedrosa respondeu quase secamente:
– Muito.
Benjamim olhou para o Argemiro, que pôs o binóculo para o camarote da
Vieirinha. A Pedrosa, percebendo o movimento do advogado, seguiu-lhe o exemplo.
Benjamim ficou por um momento só, perplexo; hesitou, compreendeu que chegara
inoportunamente e acabou também binoculando a Vieirinha!
Depois de um curto silêncio ouviu-se a voz da dona do camarote num
comentário de enfado:
15